sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A história das coisas

Já foi uma frase bem esperta,
virou olho e olhar.

Cresceu noite de chuva fina
para só depois de moça tornar-se mais discreta.

Depois de feita mulher
saiu da vida e virou sonho.

Virou sonho de poeta
e pesadelo de profeta.

Agora diz que não sabe o que esperar da vida,
não sabe se faz certo em continuar vivendo.

Não sabe do dia de amanhã,
não sabe se não conseguirá emprego.

Não sabe se arranja marido,
se enfrenta o perigo,

e qual o problema em não saber?


M.U.C.C.
Há momentos em que se tem a oportunidade de escolher os pensamentos. Eu pelo menos me sinto assim. Uma palavra pode ser tão dolorida, tão desconfortável, tão indigesta que põe parágrafos a perder. As vezes põe mais. As memórias, as saudades as incompletudes calejam e enchem de rugas a viga mestra da alma. Sua ação é lenta, cumulativa, cria estalactites de desgosto, nos  retorce com arbusto do serrado.  Esse aguilhão peçonhento faz doer, lateja, irrita. Mas há a opção de escolher um outro cômodo da mente. Existe sempre um outro suspiro guardado no peito, uma porta que se abre para uma varanda sombreada.

M.U.C.C.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O cochilo de Pitágoras

Fecho as janelas da sala para ver se abro as do pensamento, sem querer trocadilhar. Depois de quanto tempo delas fechadas posso me sentir sozinho? Depois de quanto tempo sozinho devo encostar os dedos neste teclado? Hoje entre a distância de uma e outra guia da calçada troquei umas palavras com um senhor de sorriso fácil, que me ensinava sobre o tempo e a chuva e o arco-íris. Depois de quantos travessões de diálogo posso considerar o contato como conversa? Pergunto-me isso, porque não sabia se ao completar a travessia devia me despedir ou não do gentil senhor. Não sei se conversamos.

Me perdoe meu improvável leitor com as minúcias que lhe imponho, mas me interessa perceber este ponto cego  da matemática. É a ruína do mundo de Pitágoras. Há uma distância não numérica entre uma troca de palavras e uma conversa, entre um grande grupo de pessoas e uma multidão. Há um intervalo infracionavelmente sólido entre o conhecimento e a consciência, entre mente e o cérebro, entre a inteligência e a sabedoria.

Como é possível mensurar a distância de um sorriso apaixonado para um lascivo? Como perceber se em um rápido abrir e fechar de um único olho sou alvo de um flerte ou devo gritar "truco"! Há um hiato entre o um e o dois que não se resolve com zeros e vírgulas. Existirá sempre um lugar que não se deixa alcançar pelos números e outro ainda mais distante que nem as palavras podem traduzir. Este é o horizonte do artista, ele salta, corre, se esconde, espreita e sempre insiste na esperança de um dia, por uma não-fração de um não-momento, resvalar neste lugar e trazer para o mundo do inteligível o que está em todos e não se deixa compartilhar. Fazer tudo o que só é próprio soar universal.

M.U.C.C.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sob a lua de Gothan City

A lua hoje está tímida, esconde-se entre nuvens. Timidez que se injustifica, ninguém parece percebe-la. Um moço passa ligeiro levando pizza para a sexta-feira que termina. Uma senhora se aconselha com a balconista, são os calos e os sapatos, você sabe. Outro moço olha os carros, olha pra mim e me cumprimenta, orgulha-se do Ronaldo e o leva cingido no peito. Os ricos passaram de carro e os muito ricos ficaram de passar. Passamos uns pelos outros, o moço da pizza, a senhora dos calos, o rapaz dos carros e os ricos, mas só passamos.

Uma moça ou mulher come um belo prato, parece feliz. De que mais se faz a vida se não de felicidade e um belo prato? Puxei a cadeira e assunto. Não pareceu constranger-se, nem eu. Falamos de tudo menos de felicidade e belos pratos. Olhamos para lua, parecia ainda tímida. Timidez que se injustifica, não é ela que ontem estava nua?

Lembrei da pizza. Dos calos, dos carros e seus donos. Para onde foram todos? Existem eles ainda? Melhor voltar para casa. De que mais se faz a cidade?

M.U.C.C.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

As filas são perversas porque começam pelo fim e terminam no começo.

Olhei para o sempre mesmo velho copo e me pareceu estar meio vazio. Péssimo sinal, melhor seria pular esta casa do calendário. Por quê? Não sei, mas seria. Não me peça explicações, não exija duas vias, não me deixe plantado em uma grande fila. O pior de se sentir desencantado é ter de dar explicações, carregar-se já é pesado demais nessas horas. Para não explicar, espero que a fila não acabe. Explicar qualquer coisa é operação mental complexa, que demanda boa dose de otimismo e sensação de competência. Um enigma é um ótimo passatempo para os alegres e insuflados de espírito, para um ser dependurado na haste do próprio corpo é nauseante. Um enigma cuja ponta do novelo termina umbilicalmente na própria ânima é ainda pior. O jeito é dar linha na pipa, cheirar fumaça de óleo diesel, tirar férias de si. Torcendo para ao retornar encontrar a casa arrumada.

M.U.C.C.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

o melhor bolo do mundo

Se comi o melhor bolo do mundo como saberei? Nunca comerei todos. Nunca comerei todos ao mesmo tempo  e sob as mesmas circunstâncias. Lógico. Elementar. Mas basta? Devo deixar de comer bolos? Devo desmerecer os já comidos? E se estiver a comer uma agora, devolvo?

Se ao comer um bolo penso ser este o melhor, se assim dizem minhas terminações nervosas, minha imaginação e tudo o que mais for mobilizado em mim. Bate-se o martelo, eis o melhor bolo. Dai presentes ao confeito, agrade-o em tudo. Viva-se com a intensidade de estar à frente do melhor, a simples possibilidade de sê-lo já deve ser tomada como prova cabal sua incomparável singularidade. É licito se dar ao direito de viver como se estivesse no ápice de toda experiência. Se acaso houver coisa melhor que se prove e ateste irrefutavelmente. Caso contrário, quero mais uma fatia!

M.U.C.C.

Repassante

voltar ao mesmo ponto de partida

voltar ao ponto sem querer partida


olhar pegadas do todo percorrido caminho

pisá-las de novo para que novas sejam


cravar estandarte no chão

tremular com novas cores


abrir-se em braços e abraços sinceros

segurar pela mão o instante


fazer ser mais o tão pouco

fazer pouco de um muito mais


viver sem pontos nem vírgulas

por poucas voltas de um ponteiro


M.U.C.C.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O balé de Aronofsky

Estava ainda na faculdade quando um inquieto colega trouxe-me um dvd em uma pequena caixinha em que unicamente se encontrava a letra grega pi ( não pude encontrar o símbolo aqui neste péssimo editor de texto) escrita à mão. Disse-me ser um ótimo filme, fez força para que eu levasse, parecia como alguém que quer fazer um prosélito. Levei. Deixei sobre minha sempre caótica escrivaninha, pela inércia a tendência era a de nunca tê-lo tirado de lá. Mas bem dito o dia em que sei lá por que assisti aquele filme. Foi incômodo, devo der dormido, rebobinei, assisti de novo. Que experiência louca, quanta eloquência, gostei do filme. Parecia me trazer novidades.
Falaram-me de Requiem para um sonho, acho que foi o Valdir ou Daniel, gostei ainda mais. Que montagem brilhante, o enredo era  tão bom quanto o de Pi, talvez menos nebuloso. Percebi desde então que o nome de Darren Aronofsky deveria ser procurado pelas prateleiras das locadoras de filmes. Anos depois o encontrei novamente em A fonte da Vida (the fontain), seu grande fracasso até hoje. Atores famosos, um filme carríssimo e uma história que não teve o menor pudor de mergulhar nas angústias existenciais mais universais. Foi o filme que mais gostei, me emocionei muito e acho que não mereceu o fracasso. Ou talvez o fracasso tenha sido sua melhor crítica. Veio o lutador no ano passado, muito diferente por ser um filme realista, sem o expressionismo tão característico de seus filmes até então. O filme é ótimo também, permanece a grande capacidade de Aronofsky levar seus atores para além de seus limites. Mike Rourke brilha.
Ontem assisti o tão comentado Cisne Negro. O primeiro filme de Aronofsky que pude assistir no cinema, gostaria de saber como teria sido assistir os demais. O filme me parece reunir suas qualidades, porém sendo usadas com maior parcimônia. Prefiro o exagero, mas entendo o recato. A música de Tchaicovsky deveria estar concorrendo ao oscar de melhor atriz rivalizando com a senhorita Portman, sem dúvida é o personagem principal da trama. Foi usada e potencializada em suas nuances mais dramáticas, os trechos mais leves aparecem em relance. O filme, aliás, não se deixa levar por lirismo em momento algum, o cisne negro é o que interessa e não o branco. Aronofsky nos tortura sadicamente por quase todo o filme, somos nós como as bailarinas levados à exaustão. É isso o que gosto em Aronofsky, não a tortura, mas o fato de que não mima o espectador, não nos traz nada à boca temos que chegar por nós mesmos ao fim do filme.





Gostei sobretudo de sua leitura sobre o Balé. O grande vilão da História, diga-se de passagem, e que sai definitivamente vencedor. De todas as formas de arte sempre achei a dança a mais violenta, a que mais se deixou levar pelo desvairado sonho de perfeição. Não há idéia mais destrutiva que a perfeição, acho que isso todos já aprenderam, espero. O corpo é o alvo da disciplina no balé, diferente de um escritor que doma suas palavras, de um cantor que põe arreio em seus ruídos, ou de um ator que doutrina seus sentimentos e comportamentos, o bailarinho quer chegar ao monte olimpo com seus tendões e músculos. Como um peão de rodeio que é o homem e o touro ao mesmo tempo. Nathalie Portman soube generosamente encarnar este estereótipo. Está esquálida, infantil, quase feia. Sofremos com seus dedos, unhas, e muitas outras coisas por mais de uma hora. A menina que vira cisne é, penso, uma ótima metáfora da bailarina que vai contra sua própria humanidade.
A dança é uma espécie de martírio. Não a estou condenando, cada um deve saber como chegar a transcendência. O filme não é lindo, mas é ótimo justamente por isso. Aronofsky fez balé com o cinema ou fez cinema com o balé.

M.U.C.C.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Poema de passar o tempo

Mais do que fazer o tempo passar,

é preciso senti-lo passando.

Qual a distância entre o três e seis?

Quantas vezes se pode chegar a mil antes que venha um novo instante?

Sorri o velho Zenão de Eléa.

Mordi a isca de seu paradoxo.

Fina cutícula de consciência,

abissais profundezas de delírio.

Deja vu você comigo hoje?

Devo lhe dizer: "bom dia"?

Tempo é passado, ou não?

Mas e agora?

Responda quem puder!



M.U.C.C.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Futebol: uma triste metáfora brasileira

Gosto de futebol desde sempre. Lembro fragmentariamente do entusiasmo do meu pai na copa de 1990. Vestimos camisa amarela, nos apertávamos em frente a um pequeno televisor, lembro da tristeza depois do gol da Argentina. Guardo com carinho a sensação ainda fresca de me sentir campeão com o meu time, de vibrar com jogadas lindas e das figurinhas dos grandes craques. Fui, já bem mais tarde, assistir o Palmeiras em nosso estádio, me senti em casa. Minha história com o futebol não é incomum certamente, nesses pouco mais de cem anos de sua história no Brasil tornou-se paixão e elemento indissociável da identidade nacional. Mais do que isso, faz-se hoje como triste metáfora de nossa condição.
Se você quer entender o que estou falando assista um jogo da liga inglesa, ou italiana, ou espanhola, ou portuguesa, ou francesa, ou alemã e depois assista a qualquer jogo brasileiro. É vergonhoso perceber com entre nós este espetáculo é maltratado. E não pense que estou tratando de trivialidades, nada pode ser mais flagrantemente simbólico de nossos defeitos. Se em outras áreas poderíamos culpar a má formação dos profissionais, como no caso do desempenho da educação, no caso do futebol o que não falta é qualidade. Temos ótimos jogadores, técnicos, fisiologistas, fisioterapeutas, preparadores físicos. Além disso temos mercado para o futebol, o que não falta no Brasil é gente disposta a gastar com sua paixão futebolística, em todas as classes existem fanáticos, ninguém pode dizer que futebol no Brasil não dá dinheiro. No entanto, por incompetência e só por incompetência mesmo não se tem um só gramado que possa se comparar ao dos estádios europeus. Mesmo com grandes emissoras cobrindo o evento as transmissões são inúmeras vezes inferiores. E os estádios...não merecem nem nota.
Não há desculpa, não nos falta nada. Os campeonatos se tornaram chatos, o futebol horroroso, as transmissões sonolentas à ponto de apesar de sermos o país com mais títulos mundiais, nossos campeonatos passam batido para os torcedores do mundo todo. Fiquei pensando nisso quando tentei passar pelo interminável pontilhão da famigerada avenida Airton Senna nas proximidades do Shopping Catuaí. Uma obra de quantos anos? Não ficará pronta nunca? Se fosse em região afastada se diria que é por descaso com os menos favorecidos, mas no filé mignon da high socity não cabe o argumento. Tem o lobby do Shopping, das faculdades, das construtoras, tem a necessidade da rodovia e mesmo assim não chega ao fim. Há uma questão logística envolvendo a sanepar, mas para o inferno...são quantos anos de obra? Só há a ineficácia da gestão como resposta! É como o cada vez pior campeonato brasileiro.
A pior constatação é a de que a maioria das pessoas encara com normalidade. Passo mal assistindo ao futebol europeu e pensando que merecíamos algo melhor, mas os brasileiros na sua maioria não conseguem pensar em outra coisa a não ser se seu time ganhou ou perdeu, se o Ronaldo isso ou aquilo. Não temos dimensão de nossa condição medíocre. As pessoas passam por aquele pontilhão, pelos buracos e crateras do asfalto, pelas escolas sucateadas, pelas universidades paquidérmicas com uma normalidade irritante. Estamos muito felizes com essa cultura do puxadinho, vai dando um jeito aqui e ali, tapa um buraco aqui, compra uma extensão para a instalação elétrica ali, um imposto novo para suprir o velho que é desviado, e assim ao infinito. Em um país decente não se admitiria que as repartições públicas tivessem o aspecto improvisado que tem aqui, são montanhas de cabos enrolados uns nos outros, máquinas velhas, paredes descascadas. Se o estado se deixa representar assim, o que se pode esperar do resto? Acabei! peço desculpas por estar tão ranzinza, meu improvável leitor, mas o Brasil merece!


M.U.C.C.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Bons filmes que quase ninguém assistiu! Narradores de Javé


Esse filme é maravilhoso! Engraçadíssimo! Inteligentíssimo! Com uma atuação mágica de José Dumont, monstro da dramaturgia brasileira, e muitos outros atores, inclusive amadores, que dão ao filme um sabor todo especial. Narradores de Javé é um filme de falas deliciosas, tiradas rápidas, muito improviso e um balé criativo das câmeras. Pode ser uma diversão leve para quem só quer mesmo rir e também um simpático convite à reflexão para os que percebem por trás das frases lapidares de Antônio Biá e dos demais personagens provocantes questões sobre memória, ecologia, política, história, identidade, arte e tantos outros temas. O filme tem um tempero brasileiríssimo e um forte conexão com a realidade, pessoas reais e personagens se misturam com cenários e locações bem nordestinas. O filme flerta com o fantástico, o mítico, mas curiosamente também é dotado de uma boa dose de verossimilhança. A própria saga do vilarejo de Javé foi inspirada na história de uma pequena cidade inundada por uma represa. Já passam ao menos cinco anos que assisti o filme pela primeira vez e algumas frases e imagens nunca mais saíram de mim, esse é o maior testemunho que posso fazer de sua qualidade. Ele pode ser visto inteiro no youtube, mas indico assitir em DVD para que se possa apreciar melhor a bela fotografia da película. A captação de áudio deixa um pouco a desejar, há momentos do filme em que é preciso se esforçar para entender as falas. Os extras também são fartos e valem à pena. O fim do filme deixa uma saudade dos personagens, quase uma tristeza por ter de se separar deles.

M.U.C.C.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Duvido!

A vida é uma equação de números complexos. Não se tem notícia que tenha sido resolvida, muitos entretanto dizem ter resposta. Desconfio deles todos, o que não me torna fatalista, niilista ou mesmo chato. As boas verdades não são as comprováveis facilmente, mas as que se fizeram verdadeiras em mim. Guardo uma montanha de verdades desse tipo, algumas nem ouso dizer. Há quem diga que verdade não existe, penso que mentem a si mesmos. Ou então podem estar certos, mas ai ao menos uma verdade há, a de que não existem. Escolho pra mim certas verdades, as rodo na ponta dos dedos e as observo. Não as vendo nem troco, mas as compartilho.

M.U.C.C.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

pequena crônica em três atos

Concebido, parido, criado, refeito, transformado, feito homem e morto em um sempre curto dia. Dia que nasceu noite, tarde que se fez ao contrário, da treva ao clarão. Dia que põe do ar pras pernas tudo ao seu novo lugar, de onde nunca deverão sair, espero.

De tanto desdenhar o sempre-o-mesmo, chego a temer a novidade. Hesito. Sempre hesito. De dúvidas me vestiu a vida ainda menino, sem elas me sinto nú. Meu exitar delas depende. A reticência não traduz um desapego, mas o gosto pelo incerto que também chamam de esperança.

De não muito longe de mim mesmo encontro frondosa árvore de pensamentos em que me deito e me revolvo. Seu castanho tronco não é longo, mas firme, suas folhas foram polidas por mãos talentosas. Tem um porte decido, possuidor de si, parece até amedrontar os menos prontos. Não sei se chego a dançar, não sei se passo ou se paro. Não sei porque me agrado tanto de viver? Podia gostar menos, ou nem gostar.





M.U.C.C.