sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A menina que dormiu em minha casa

Gosto deste frescor que manhãs como a de hoje tem enquanto o sol ainda não aqueceu o dia. Gosto de estar de pé cedo nestas ocasiões, de sair pelas ruas, tomar um pingado na padaria e comer um baurú. Gosto  de ficar mudo nestes dias. Sou todo ouvidos a estas frescas manhãs de verão.

Domésticas de sobrancelhas resmungantes sobem para os apartamentos de seus patrões, porteiros distraídos de si varrem a rua, os jornais que não mais estão pedindo passagem no vão das portas estalam crocantes novidades. Nascem ruídos de todos os cantos, um ônibus que ronca longínquo, o entregador que acelera sua moto, o burburinho das conversas, o esguicho nas calçadas. Eu? Me dou ao direito do silêncio. Caminho falando só pra dentro e com as mãos no bolso.

Me lembro de uma dessas manhãs. Minha filha nascera à semanas, não nos dava trégua. Tornara-me amigo dos pastores avaros da madrugada, dos sonolentos e repetitivos repórteres destas horas, das reprises e corujões. Já não se sabia o que era dia ou noite em nossa casa. Depois de gritar por longas e muitas horas, aquela mínima pessoa resolveu dormir, se entregou aos prazeres do travesseiro. Com fome saí para comprar ovos, queria um grande e farto omelete.

Como era fresca aquela manhã, como era bom o meu silêncio.Tão bom como o cheiro da chuva, tão bom como o céu sem nuvens do inverno, tão bom como um violão de cordas novas. Andei feliz pelas ruas do meu bairro naquele dia. As mesmas que andei hoje. Feliz, muito feliz com aquela menina que dormia em minha casa.


M.U.C.C.