quinta-feira, 19 de junho de 2014

Uma manhã de Copa do Mundo


Era um dia qualquer de minha infância. Vesti uma velha camiseta de algodão da seleção, o distintivo ainda trazia a taça Jules Rimet e um pequeno ramo de café. Utilizando este símbolo nossa seleção nunca ganhou nada, eu sou da época que nossa seleção jogava bonito e não ganhava nada. Naquele dia botei na cabeça que era jogador de futebol, além da camiseta, usava um um shortinho azul, meiões brancos e o tênis mais parecido com um chuteira que encontrei. Desci a rua de minha casa até o clube chamado alemão, pedi uma bola ao Seu Pedro, um negro já bem velho, fumador de cigarro de palha, com quem mantive longas conversas por longas tardes durante os muitos séculos que compõem nossa infância, peguei a bola e partida começou.

 Ainda da portaria do clube o árbito apitou, driblei carros, pessoas e bicicletas, disputei a bola com arbustos e escadas. Cheguei ao campo do clube sozinho, chutando uma bola de futebol de salão daquelas ainda bem pequenas e pesadas. Lembro de ver o meu único torcedor, Seu Pedro, me observando intrigado de longe, do gramado eu via sua testa brilhar e seu uniforme azul surrado que me lembra agora o da final de 58. O Seu Pedro bem que parecia com o Didi. (aviso aos jovens leitores que o Didi em questão foi um grande meia brasileiro, famoso por um chute cheio de efeito conhecido como "folha seca"). Corri e imaginei grandes jogadas, tocava a bola para mim mesmo, recebia passes precisos, e batia com força para o gol, nunca dando chance ao goleiro. Acho que uma das coisas que fazem uma criança é o seu despudor de sonhar. Vivi uma grande Copa do Mundo naquela manhã de brincadeiras.

Se perguntassem ao menino jogando bola se ele era feliz, ele não teria resposta. Sempre achei esta uma das mais difíceis perguntas, sempre que me perguntaram isso eu respondi por educação que sim, mas acho que eu era mesmo é destraído ou não tinha tempo para essas coisas. Minha vó sempre dizia que eu gostava de brincar sozinho, podia passar o dia inteiro perdido em histórias que eu mesmo inventava, pessoas que eu mesmo construia, guerras, copas, campeonatos, eu criava e recriava como um castelo de areia que a onda leva e você refaz. Naquela manhã no clube não conversei com ninguém, quase não havia pessoas por lá naquele dia frio, não dei um sorriso, não gargalhei, mas não estava triste.

Hoje eu acordei com esta lembrança. Assim como hoje, aquele foi um dia nublado e silencioso. Assim como hoje, mansas ondas de vento frio corriam pelo meu corpo como um afago divino que te pega de surpresa. Passei a semana de trabalhos esperando por esse Corpus Christi, esperando por encontrar o silêncio, por abraçar minha cama, por uma volta na rua calado como se descesse ao encontro de Seu Pedro no Clube Alemão. Um dia para o silêncio, um dia para caminhar e pensar no Corpo de Cristo, na Providência do Cordeiro que se imola em meu lugar. Um dia para viver o alívio de Isaac enquanto o cutelo da justiça de Abraão se levantava. Assim como hoje, eu passei aquela manhã de Copa do Mundo em silêncio, nem alegre, nem triste, nem escritor, nem jogador, mas sonhava.  

M.U.C.C.