sábado, 2 de outubro de 2010

Carta aos advogados

Aqui no Brasil a advocacia é uma das profissões de maior reconhecimento e prestígio social. Também pudera, desde os tempos coloniais, quando ainda não havia universidades no Brasil, os filhos das melhores famílias buscavam nas faculdades de direito do velho mundo formação intelectual que lhes distinguisse dos pés-rapados tupiniquins. Filhos de gente tão bem estabelecida em suas conquistas financeiras, é razoável pensar que os jovens estudantes vissem na advocacia mais uma oportunidade de livrar-se do cheiro de esterco de suas botas do que um chamado vocacional verdadeiro. Os pais mandavam os filhos para seus exílios voluntários não por convicções ético-morais, mas para ostentar sua superioridade cultural. Desde muito cedo em nossa História aprendemos a chamar os advogados de doutores, admiramos seus cabelos engomados e batemos palma para seus termos latinos e seus maneirismos lingüísticos. Presenteamos-lhes com as melhores cadeiras do senado, com muitos mandatos presidenciais, com muito espaço nas mídias e tantas outras regalias e honrarias.  A advocacia parecia, e ainda parece, representar na cabeça da maioria dos brasileiros um sinal de progresso civilizatório. É como se ao receber o diploma, o jovem bacharel se tornasse um pouco menos brasileiro, um pouco menos rude, bárbaro, incivilizado.

É triste perceber no entanto, como o implacável passar dos séculos só fez agravar a situação que já não se apresentava exitosa. Hoje o prestígio profissional atribuído socialmente permanece grande, as famílias permanecem orgulhosas de seus bacharéis e os profissionais da área cada vez mais ciosos de seu importante papel para o adequado funcionamento do estado de direito. As incontáveis faculdades de direito distribuem com indispensável pompa diplomas que atestam indiscutível proeficiência dos brilhantes advogados serialmente produzidos por aqui.

Porém, o Direito é matéria complexa. Visto que tem de consumar na aplicação particular da regra geral o próprio princípio instituinte do Estado de Direito. O advogado, o jurista, o juíz, o jurisconsulto têm de visitar as celas mais recônditas dos pactos sociais, têm de caminhar sobre as fronteiras dos contratos constituídos e submeter ao mais alto nível crítico a materialidade textual das normas. E ainda fazer isto amparado em conceitos abstratos e subjetivos, para não dizer relativos, como justiça, equidade, proporcionalidade e isonomia.

Deve ser desesperador para um jovem sedento por sucesso descobrir tardiamente a utilidade das intermináveis aulas de Filosofia, Sociologia, História e, em alguns casos, Gramática. O que fazer diante disso?  
Muitos se entregam ao pragmatismo profissional, ao exercício de uma prática forense rasteira, cheia de vícios, pequenas malícias e oportunismos. Muitos fazendo isso encontram um relativo sucesso. Mas condenam o ambiente dos tribunais à uma atmosfera tóxica que exala a podridão do gênero humano. Muitas universidades e muitos professores não percebem o cesto cheio de víboras que alimentam. Mas há saída. Aos que foi concedido o dom de pensar devem exercer sua atividade orientados pelos mais nobres valores ético-morais, não devem tomar a maioria como modelo e exercer dignamente seu pape social. Aos menos privilegiados, cabe o conselho do grande Paulo Vanzolini: "reconhece a queda, levanta, sacode a poeira e da volta por cima"! Afinal, vestibular tem todo ano!

M.U.C.C.

2 comentários:

Paulo disse...

Esse texto me fez lembrar a minha ultima caminhada com o meu primo... Coitado do advogado que usa terno e gravata num dia de calor...


Rogério Ceni

Marcão disse...

A idéia partiu da caminhada mesmo, mas continuou rendendo debates e eu decidi escrever o texto!!!!!!

VALEU A INSPIRAÇÃO!

marcos