segunda-feira, 30 de abril de 2012

Uma estranha forma de felicidade.

Muitas músicas me fazem chorar, mas cada uma por uma razão. Tem música caipira, daquelas que não mais existem, que me constrangem com sua sinceridade, com verdades que parecem eternas, elas carregam tanto tempo, tanta gente, me tocam nos genes. Me lembro de chorar algumas vezes no Ouro Verde ouvindo a orquestra nos apresentar universos musicas que só podia retribuir com lágrimas. Hoje choramos pelo Ouro Verde, mas isso é outro papo. Não costumo chorar com canções por lembrar de pessoas ou eventos, se assim fosse não estaria chorando por causa da música, mas a música simplesmente estaria me recordando um alheio motivo de chorar.
Esse tipo de choro que nasce de um encontro genuíno com a música é melhor que a risada. Não é só a música que o produz, os filmes também, os livros e, claro, as pessoas. Acho que era Molière dizia que as melhores comédias deixam sempre uma lágrima presa no canto do olho. Os filmes que mais me fizeram bem foram sempre os que me fizeram chorar. Normalmente gosto dos que são tristes e placidamente trágicos. Poderia fazer uma lista agora, mas o tema não é esse. Este é um texto em homenagem ao choro. Mas não ao choro da vergonha ou do desespero, desses que nos deixam nus, o choro aqui é o que mora na fronteira da tristeza e da alegria. É um choro por-do-sol. Nem mais dia e nem ainda noite.
E não se trata só de chorar diante da beleza, da plasticidade, não é só o choro êxtase, catarse, que merece aqui menção e homenagem. Há o choro que advém da consciência, diria ainda mais de autoconsciência. Uma espécie de choro-insight, estalo da intuição, esse eu adoro especialmente. Só quando você começa a se dar ao direito de chorar é que parece admitir uma condição crônica de impotência e isso é bom e saudável. E quase sempre é só o que resta fazer. E chorar não é um não-fazer, chorar não é fazer nada,do tipo: "você só vai ficar ai chorando?" Esse choro consciente é em si uma grande atitude. Pior é permanecer indiferente, ignorante e insensibilizado.
Desconfio muito das pessoas aparentemente muito alegres. Algumas são verdadeiramente muito alegres, esses eu admiro e me inspiro. Mas existem os que são alegres por medo de chorar. Desculpe, mas essa alegria eu não quero. Não quero o sorriso do clawn que chora depois que tira a maquiagem. Quero a estranha felicidade que mora no tranquilo leito das lágrimas.


M.U.C.C.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Último Navio de Beijing

Choravam e sorriam sem exatamente uma ordem certa. Agoniavam-se especialmente com o grave apitar do navio. Era o último a deixar Beijing. Só neste dia não correu o bicho, nem fla no maraca, não houve manchete, não valeram as horas. Só neste rosnar incessante, não houve primeiro e último, nem ordem, nem meio. Nada houve, tudo em haver. E também zuniam bombas e morteiros, como se fossem gotas d'água, espoucando em festa o nascer de uma nova era. De guerra e horror, mas nova. Seus ouvidos calaram diante de tamanho horror sonoro. E depois veio o silêncio do mar. Navio rasgando o frio e a noite. Todos calaram em um silêncio das vísceras, da morte longa, da desesperança. Alguns chegaram a pensar que aquele navio jamais deveria encontrar porto, jamais deveria acabar a viagem. Pensavam que a partir dali suas vidas seriam só viagem. Só Errança levavam. Depois de bombardeados todos os portos de origem não se pode avistar destino facilmente. E exilados de si, fizeram suas moradas na memória.


M.U.C.C.

sábado, 14 de abril de 2012

Crayons

Dê ao menino um pequeno punhado de crayons e ele te dará um universo. O mundo é vasto demais, vaza o tempo todo de nossas mãos, escapa ao olhar. É preciso calma e persistência. Como um surfista espera a onda certa e é capaz de passar horas olhando para o mar, horas olhando o sempre-mesmo mar, até que veja a onda certa e se empenhe para alcançá-la, assim devo esperar pelos meus crayons. O que é preciso para escrever uma crônica? Para compor uma canção? Crayons.



M.U.C.C.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Angústia de quem vive

Olhos detidos por alguns instantes, do tamanho de todas as eras, em frente a uma pessoa já não mais viva. Estou parado ali até agora. Ali morrem todas as perguntas. Ali ficam todas as coisas. Nada passa daquele caixão.  É vida e depois é morte. Não estou fazendo considerações metafísicas, pós-metáficas, ontológicas ou existenciais, estou dizendo o que me disseram meus olhos. Ninguém precisou me dizer que estou vivo, ninguém precisou dizer mais nada. Não quero ser Descartes, só quero continuar.

Um querido senhor um pouco antes de morrer pediu para ver o sol, o levaram, ele olhou por alguns segundos, agradeceu, o levaram para o leito, horas depois morreu. Meu avô já muito adoentado encontrava algum alento cantando e acho que cantarolando e batucando enfrentou o fim. Não sei medo, não sem sorver o hálito frio e acre da morte, mas cantou. Amarraram El Cid Campeador ao seu cavalo e a sua armadura quando já estava morto e sua imagem, mesmo morta, venceu a batalha.

Quero uma vida com um sentido que atravessasse a morte como o Campeador. Mas o espelho anda implacável. Não sei o que mais. A morte me emudece. Queria ter mais a dizer às pessoas nessas horas. Mas não tenho o que dizer nem a mim mesmo. É vida e depois é morte. Não quero que minha morte chegue logo, mas quero saber até lá se vou querer ver o Sol, ou batucar uma canção, ou se vou pedir para me amarrarem no meu cavalo.


M.U.C.C.