segunda-feira, 26 de setembro de 2011

penas e papel




Que meu texto seja sempre feito de angústia e estupor!

Que seja como pus que eclode da ferida,

seja a bolsa que se rompe em vida.

as classes, ordens e espécies de meu caos interior.



Que seja a língua do fogo da falta,

que seja a onda tsunâmica do vazio,

que me faça sumir em um redemoinho,

me faça trova, tambor e menino.



Que me mostre a cara da tragédia,

me leve a morar com Ciclopes e Medusas,

me deixe nú em frente ao altar,

que não me tenha dó, que não faça média.




E que nele eu  não habite em paz,

que não haja quem sabe outra vida

e que nela eu não possa mandar.

Me tire as penas, o amor e o cocar.




E que eu ainda tenha vida para quando ele ficar pronto.




M.U.C.C.




A miséria da Poesia ou a poesia da Miséria




Não mais do que poucas palavras.

Não mais que um pedaço de luz.

Não muito além de um pequeno gesto.






Como a concha que esconde o universo,

o caramujo que é feito do eterno,

a parte de um todo que abrange o infinito.






Como o amor que tem sua síntese no beijo,

o final tem seu início no silêncio,

como a dor que tem por mãe a alegria.






E porque meu peito repousa na mão de uma criança imperiosa?

E porque de opróbrio se faz sua alegria?

E porque tão poucas palavras?







E porque só de miséria se faz poesia?




M.U.C.C.



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Fortuna.

Eu estava aqui. Exatamente no lugar onde sempre estive. Neste meu lugar em que o universo está ao alcance da minha mão, em que sei qual é a gaveta dos talheres e posso andar sem abrir os olhos.

Já tinha à esta altura me conformado com o papel de árvore nos Sonhos de Uma Noite de Verão. Já estava me enturmando com fracassos, perdas, frustações e silêncios e som de ocupado era o hit mais pedido de minha rádio.

Então veio ela, não sei se a chamo Norma ou Exceção, Sorte ou Azar, Bem ou Mal. Talvez Brisa ou Tempestade, Dourado do Sol ou Cinza de Nuvem. Pediu para que a chamasse de Fortuna. Veio trazendo outras vidas, outras cores e novos versos. Um outro cosmo brotou em meu catre, achei que a sorte sabia até meu nome.

Quem se encontra com Fortuna fica a um passo do penhasco e outro do conto de fadas. Não sabe se é um lindo unicórnio de asas abertas para a felicidade ou se é um carrossel  que te engoda sazonalmente. Já não é possível saber se é o cheiro da liberdade que sinto ou do anestésico da escravidão.

Só uma coisa sei. Que não sou páreo para Ti, Óh Fortuna!


M.U.C.C.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Lindo Rosto da Liberdade

Se Deus nos legou alguma liberdade quem sabe seja porque nela viu algo de belo ou bom. Poderíamos pensar que se todo o universo se sujeitasse às nossas vontades viveríamos melhor, seríamos felizes. Temos a tendência de pensar que se tudo acontecesse exatamente como desejamos seríamos plenos e realizados. Essa é a tentação despótica. Essa ideia arruinou Napoleões e Robbespierres ao longo dos séculos. E o mesmo risco de ruína corremos nós se não aprendermos a amar a liberdade. Temos de deixar de vivermos como meninos mimados, nem tudo será como quero ou como gostaria e isso não é necessariamente ruim. Eu sou parte do mundo e não o contrário. Não é o caso de se entregar ao fatalismo ou a inércia, mas de sabermos saborear os gostos por vezes doces e outros amargos da liberdade. O Pai ensina, corrige, dirige, cuida, mas também chega o dia de deixar que o filho abandone o ninho e bata asas. O mestre ensina, orienta e deve sonhar com o dia em que o discípulo o superará. Há um senso estético nisso, a liberdade é bela, além de justa.


M.U.C.C.

domingo, 18 de setembro de 2011

Um pequeno livro que escrevi

Escrevi um pequeno livro. Só escrito por fora. Não tinha arte gráfica, tudo feito a mão. Por dentro deixei o peito pulsante, o sangue que ferve, o sopro da vida, deixei a paixão. Deixei também um CD, pois de músicas também é feita a alma. Lancei-o no mar como quem manda uma mensagem na garrafa, sem querer resposta, retorno ou reembolso. Lancei meu livro para a vida. E veio o tempo, as estações mudaram, e só silêncio me respondia. Cheguei a pensar que não o devia ter lançado, temi pelo meu destino. Percebo hoje que este livro só recebe respostas do tempo, só o tempo ensina coisas sobre ele. O tempo me diz o que sinto e se sinto é certo que o livro ainda vive em algum rincão do universo. O mar carrega o livro e mar ninguém controla. Talvez o livro volte e reaverei o peito e as víceras, talvez nunca o veja. Mas ao mar o livro pertence e dele jamais o irei roubá-lo, para que meu livro siga assim, sempre livre.


M.U.C.C.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Reciclando Angústias

Meu escritório mental anda um caos. Os papéis estão jogados por todos os cantos, o cesto de lixo transborda de projetos abandonados sob a forma de bolinhas de papel. Em minha boca segue o gosto de quem apostou no cavalo errado e agora o vê cada vez mais distante da linha de chegada. Assino à mesa enlouquecidamente documentos onde reconheço em firma a culpa por todos os meus fracassos e derrotas, "sim, a culpa é minha" - repete-se a frase folha à folha. Entretanto, prefiro o fracasso. Talvez só exista verdade na fraqueza. Que a areia movediça me leve cada vez mais para meu lugar de origem e que eu seja um bom filho ao retornar ao lar.

 Comer do pó, lamber seu sal e tremer com o frio da alma.

No meio deste cenário pouco ameno, o escrivão Raciocínio é aparentemente o mais agitado, corre atrás do que havia pensado ainda à pouco e já não sabe mais onde enfiou aquela ideia da noite anterior. O Sr. Lucidez deve estar doente pois já fazem alguns dias que não dá as caras, deve ser essas viroses. Dona Consciência está ao telefone em busca de conselhos, as linhas todavia parecem ocupadas. O chefe da repartição, apelidado pelo Dr. Freud de Ego, toca violão em sua mesa. Parece tranquilo, mas é sua forma própria de representação do desespero. Enquanto isso na sala de reuniões, que fica ao lado, todos falam ao mesmo tempo, argumentos e contra-argumentos são interrompidos por ofensas pessoais e velhas querelas. Não parecem convergir em nada.

  Comer do pó, lamber seu sal e tremer com o frio da alma.

Todos na verdade aguardam a chegada das gerentes Fé e Esperança. Com algum medo é bem verdade, pois não sabem se vem para comunicar o fechamento definitivo do escritório, férias coletivas, demissões, ou se realmente trazem boas-novas. Os funcionários desse escritório resistem sempre à chegada da Esperança e ainda mais do seu colega Otimismo, dizem que é procedimento padrão, "trata-se de precaução metodológica", "é praxe aqui da empresa". Elas ficaram de aparecer por esse fim de semana, o pessoal resolveu fazer até serão. Enquanto não voltam....

 Comer do pó, lamber seu sal e tremer com o frio da alma.


M.U.C.C.