sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

No oráculo de Delfos



Meu filho me chacoalha pela gola de minha camiseta, escrevo ao computador, ele insiste.

 "Pai, olha pra mim"! "Olha aqui, pai"!

E assim vai reformulando a sentença ora invertendo sua ordem, ora mudando a intonação, ora as palavras, ao infinito.

Me rendo, deixo o que faço e volto os olhos para o menino.

"Quem é você"? Pergunta.

Silêncio.

Suspiro.

Desisto.

Ele venceu o argumento...



M.U.C.C.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Saudades



A saudade está cada vez mais rica. Não para de arrematar propriedades nos leilões dos nossos tempos. Por esses dias, tornou-se senhora de um belo teatro londrinense. O negócio todo foi feito em sigilo de tal modo que quando nos demos conta a transação estava concluída. A imprensa não noticiou, mas a compra do teatro selou uma série de investimentos já feitos pela saudade na região. Depois de comprar as calçadas de petit pave, o bosque, fachadas de lojas, bancas e quiosques, a investidora passou a ter sonhos mais ambiciosos. E promete não parar por ai, há quem diga que seu próximo desejo é a cabela de outro calçadão da cidade.


Há quem diga que o grande mal do mundo seja uma tal rua da parede, querem ocupá-la. Eu penso que o terrível gênio desse século seja a saudade, sua ganância devoradora é quase sem limites. A velocidade de sua ação precisa de freio, talvez pudéssemos pensar em uma intervenção estatal contra ela. Sugiro que se crie uma lei especial anti-truste da saudade. Ela não atua só no setor imobiliário aliás, esta é apenas sua face mais visível. Seu império é também feito de canções, lembranças e sentimentos. Fontes seguras dizem ser essas as bases de seu reinado.


Para vos ser sincero devo confessar que a condição de penúria em que minha existência se encontra me faz recorrer ao seu penhor constantemente. Boa parte de minhas lembranças já estão no prego, deixei com a saudade por não ter mais crédito na praça que me permitisse recorrer a outros financistas. Para onde foi a igreja de minha infância? E o clube? E o recreio? As ruas de minhas lembranças já tem todas várias placas de vende-se e a saudade parece ser o único investidor interessado. Os metros quadrados mais caros de minhas memórias já pertencem ao império da saudade.

M.U.C.C.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

antes da orquestra começar existe um instante de silêncio.

minhas palavras secaram. estão no fim de um corredor que não tenho forças de atravessar. dizer o quê? não quero palavras. já as utilizei demais. não quero falar. não quero. tenho mais o que fazer. Há um mundo inteiro por reconstruir, há um caos reinante para destronar. Falar pra quê? Já falei. que nasça duas mãos no lugar da minha boca. Ser feito, fato e não mais fala. pra quê palavras o que quero mesmo é o barulho do grunhido que nasce e jorra. AKVEBSORCACDKFRCVLFBSLDVAOACNRSKREA!!!!!!!!!



M.U.C.C.