A saudade está cada vez mais rica. Não para de arrematar propriedades nos leilões dos nossos tempos. Por esses dias, tornou-se senhora de um belo teatro londrinense. O negócio todo foi feito em sigilo de tal modo que quando nos demos conta a transação estava concluída. A imprensa não noticiou, mas a compra do teatro selou uma série de investimentos já feitos pela saudade na região. Depois de comprar as calçadas de petit pave, o bosque, fachadas de lojas, bancas e quiosques, a investidora passou a ter sonhos mais ambiciosos. E promete não parar por ai, há quem diga que seu próximo desejo é a cabela de outro calçadão da cidade.
Há quem diga que o grande mal do mundo seja uma tal rua da parede, querem ocupá-la. Eu penso que o terrível gênio desse século seja a saudade, sua ganância devoradora é quase sem limites. A velocidade de sua ação precisa de freio, talvez pudéssemos pensar em uma intervenção estatal contra ela. Sugiro que se crie uma lei especial anti-truste da saudade. Ela não atua só no setor imobiliário aliás, esta é apenas sua face mais visível. Seu império é também feito de canções, lembranças e sentimentos. Fontes seguras dizem ser essas as bases de seu reinado.
Para vos ser sincero devo confessar que a condição de penúria em que minha existência se encontra me faz recorrer ao seu penhor constantemente. Boa parte de minhas lembranças já estão no prego, deixei com a saudade por não ter mais crédito na praça que me permitisse recorrer a outros financistas. Para onde foi a igreja de minha infância? E o clube? E o recreio? As ruas de minhas lembranças já tem todas várias placas de vende-se e a saudade parece ser o único investidor interessado. Os metros quadrados mais caros de minhas memórias já pertencem ao império da saudade.
M.U.C.C.