Qual é a música que toca dentro de você? Sabe aquela música que nasce depois de passar muito tempo cantarolando, depois que a melodia que você ouviu no rádio já desapareceu, que o jingle da TV foi se embora? Não sei você, mas eu tenho que me controlar para não passar horas cantando no chuveiro. Músicas que não tem necessariamente um início e um fim, elas vão e vem na cadência da atividade cerebral. Essas músicas que nascem em mim nunca foram valsas.
Houve um tempo em que eu quis que minha vida fosse uma valsa. Eu queria soar como um Danúbio Azul. Tudo ordenado, claramente encadeado, queria poder ter o conforto de intuir os crescentes e os decaimentos da música. Achava que vida boa é aquele em que se sabe, com alguns compassos de antecedência, que a orquestra se unirá em um grande rompante musical, ou que já se pode perceber claramente o ralentar da música que precede o fim. Mas não adiantou, eu não soul valsa. Eu não soo valsa.
Sempre gostei muito de música. Gosto de lembrar das minhas tardes sozinho em minhas muitas casas ouvindo os discos dos meus pais. Gostava de ouvir os álbuns inteiros, mesmo que algumas músicas fossem chatas, mesmo que não estivesse gostando eu ouvia, não me dava ao direito de pular faixas injustificadamente. Passei muitas tardes ouvindo discos e olhando pro nada, suando de calor em dias quentes ou levemente arrepiado com o frio daquelas longas tardes de chuva das chácaras em que vivi.
Até que um dia tive vontade de tocar violão. Aprendo até agora. É como começar a falar. Você sente-se capaz de provocar som nos outros. De tudo o que gosto de fazer na vida, sempre depois de fazer toco violão. Eu adoro falar pelo meu violão. Mesmo e quase sempre pra que ninguém escute. É melhor falar pros outros, mas tudo bem falar sozinho. Depois vieram as guitarras, cheguei a dormir abraçado com uma em um Natal. Ela era vermelha.
Aos poucos fui tomando coragem e rasguei as partituras das valsas. Não soavam eu. A minha música é de outra ordem, nada contra valsa, mas não deu para entrar no seu bailado. Custou mas sei que minha canção interior é sempre cheia de surpresas, instrumentos pregam peças o tempo inteiro. As formas rítmicas tem sempre um desencaixe, um swing, uma descontinuidade e, devo confessar, eu gosto. Acho até que sou Allegro, ma non troppo.
M.U.C.C.
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