Existem, em minhas memórias, lembranças banais. Coisas que aconteceram, provavelmente, e que não servem para mais do que dar alguma linearidade aos retalhos que guardo no baú das reminiscências. Seriam como um diálogo rápido entre dois figurantes em uma peça de teatro que serve apenas para dar a deixa para a entrada dos protagonistas.
Mas existem lembranças que protagonizam meu passado. Existem momentos que escrevem as manchetes das memórias. Acontecimentos que brilham em meio a um amontoado de recordações cinzentas. Foi assim quando assisti Paulo Autran em "O Avarento" de Molière, praticamente última montagem do artista. Até hoje me recordo da luminosidade daquele dia. O Painel de Portinari na entrada do teatro Cultura Artística, toda a graça, a leveza da obra de Molière, a energia de Autran e todo elenco.
Existem momentos que rompem a monotonia do cotidiano e surpreendem, tornam-se inesperadamente eternos. Como no dia em que assisti sozinho "A lista de Schindler" no sofá de minha casa em uma tarde ordinária e fria muitos anos após o lançamento do filme. Nunca tinha chorado assistindo um filme, mas de repente romperam-se os diques dos meus olhos, chorei como uma criança, chorei assistindo os extras do DVD.
Ontem fui ao show de Germano Matias, SESC Mariana em São Paulo, saí com a nítida impressão de ter vivido mais um desses momentos. Temo não ter a oportunidade de ver este representante de uma cultura brasileira que quase não mais existe outra vez. Germano tem 76 anos, eu vou poucas vezes a São Paulo. Por isso passei o show interior consciente desta condição, sorvendo cada acorde, cada nota do trombone, cada piada. Não preciso ver novamente.
Somos seres muito breves. Morremos muito novos, isso vale até para aqueles que superam a idade do próprio Germano Matias. A cultura é o que se perpetua. Carregada e reproduzida nos lombos de muitas gerações, a cultura é o canal pelo qual nos conectamos com uma longa linha de conhecimentos, emoções e comportamentos que compõem a humanidade.
Que muitos outros momentos como este eu ainda possa viver, que você também muito improvável leitor tenha os sete buracos da sua cabeça abertos para a cultura brasileira.
M.U.C.C.
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