sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Os malabaristas do sinal vermelho



Daqui de cima da laje
Se vê a cidade
Como quem vê por um vidro
O que escapa da mão
Uns exilados de um lado
Da realidade
Outros reféns sem resgate
Da própria tensão
Quando de noite as pupilas
Da pedra dilatam
Os anjos partem armados
Em bondes do mal
Penso naqueles que rezam
E nesses que matam
Deus e o diabo disputam
A terra do sal
Penso nos malabaristas
Do sinal vermelho
Que nos vidros fechados dos carros
Descobrem quem são
Uns, justiceiros, reclamam
O seu quinhão
Outros pagam com a vida
Sua porção
Todos são excluídos
Na grande cidade
Não consigo pensar em nada mais lúcido para expressar o que estamos vendo acontecer no Rio que a frase “todos são excluídos na grande cidade”. Trata-se de uma tragédia anunciada e por tempos procrastinada, sem perspectivas muito concretas de fim. Achar que a ocupação pelas forças de repressão do estado resolverá o problema é ingenuidade, os malabaristas do sinal vermelho e os anjos armados andam perto demais uns dos outros. A violência e nossas debilidades sociais têm uma ligação inegável. Só se resolve um resolvendo ou ao menos atenuando o outro. Os vidros fechados dos carros, ora minimamente abertos, voltarão a se fechar? Penso nesses que rezam e nesses que matam pelos morros do Rio. Não sei se é possível abrir um largo sorriso ou quem sabe gargalhar enquanto cotidianamente cruzar com esses meninos e meninas que encontramos fortuitamente pelos sinais fechados e esquinas escuras. Não sei se é possível me orgulhar de uma nação, refiro-me ao povo e não ao estado, que faz de uma polícia como o BOPE uma espécie de Batman da vida real. Gostei de assistir os dois tropa de elite, me fizeram pensar, me deixaram falando sozinho enquanto os letreiros subiam. Mas fico horrorizado com as platéias do filme. AS pessoas são capazes de uma admiração quase fascista por uma polícia que joga o jogo do bandido, o prazer e as gargalhadas, atração pela manifestação da força física e os bordões repetidos exaustivamente nas mais diferentes circunstâncias são pavorosos. Também me horroriza ver como nas favelas existe uma louvação da criminalidade e da violência e penso que deste lado da moeda as escusas são tão injustificáveis como do outro. Falo isso por ter tido contado real com jovens assim, não me parecem menos errados do que as boçais platéias do cinema. Assisti tropa de elite com lágrimas nos olhos, pensava sinceramente no Brasil real. As lágrimas voltaram!
M.U.C.C.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

viagem

Em Campo Mourão pude ver o horizonte. Ele me pareceu mais curto do que o horizonte londrinense. Não sei qual a explicação geográfica....melhor não falar alto, geógrafos gostam de explicar tudo! O fato é que o horizonte em Campo Mourão era bem mais curto do que o daqui. O problema é que em Londrina não há mais horizonte, só prédios e problemas sempre tão altos. Gosto muito de olhar o horizonte, me conforta, me relaxa. Aqui em Londrina quando tenho a oportunidade de olhar o horizonte abuso da oportunidade. É delicioso olhar a terra encontrando o céu, eu por vezes prefiro bater um papo com o horizonte do que com outras pessoas. Mas minhas janelas não tem horizontes. Acho que sei porque eu gosto do horizonte, me sinto longe, o mais longe possível de mim mesmo.

M.U.C.C.

só resta a palavra

Estou escrevendo à contra-gosto. Meu texto se voltou contra mim. Eu leio minhas frases, meus maneirismos, meus macetes em textos que não são meus. Ou são meus? não sei dizer mais. Ver no outro um pedaço de si é sempre bom, a menos que isto se volte contra si mesmo. Você quer machucar alguém, ataque-o com suas próprias armas. Vai doer como nunca. Meus textos são meus refúgios, eles não podem se voltar contra mim.Os meus textos não parecem meus e os que não são meus parecem me pertencer. Mas eu e eles estamos brigando. Leitores me desculpem, mas não estou escrevendo para vocês, estou escrevendo para meus textos e meus fragmentos de textos enxertados em outros. Voltem pra mim, concordem comigo, pelo menos vocês.

M.U.C.C.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

chuva

Minha vó gosta muito de dias de chuva. Ao notar os primeiros indícios, uma nuvem que escurece, um ruído trovejante, ela abre um belo sorriso e recupera sensivelmente seu humor. Desde que percebi isto passei a observar como ela é uma pessoa interessada nos movimentos da natureza. É como se tentasse ler as pistas dadas pelo céu, pelos pássaros, pelo vento, tentando decifrar o criptograma dado matinalmente pela natureza. Ela nasceu em um Brasil ainda rural, onde as condições naturais eram mais evidentemente importantes para as pessoas. Naquele Brasil caipira chover era como ver o saldo da conta-corrente no azul, sinal de que a provisão estava em vias de se consumar. Chover era como pagar uma nota promissória, da qual nem sempre se tem fundos e o avalista é um ser intempestivo. Por isso, eu não acho inútil conversar sobre o tempo. Sabe aquele papo de taxista, de elevador, de salão de beleza, meninas, trata-se de um tema relevante que deve ser discutido e exercitado.
Eu também gosto de chuva, mas não como minha vó. Eu gosto de chuva por causa do cheiro, da temperatura, da mudança das cores, da umidade. É uma afinidade sensorial e estética. Não sou uma pessoa que gosta de refrões, prefiro as estrofes. Um dia de sol é tão obviamente mais belo, é tão louro, tão exuberante que eu acabo alimentando um apreço pela chuva. Parece-me como uma preparação, ninguém merece um sol no verão sem tomar umas chuvas por ai. É como torcer para o time mais fraco, eu não sei explicar, mas se me pego assistindo uma partida de qualquer coisa, quando dou por mim estou torcendo por aqueles que me parecem inferiores ou que estão em desvantagem no marcador. Eu gosto de chuva também porque me sinto um cara chuvoso, eu jamais seria aquele entardecer bronze em Copacabana, ou um dia de sol à pino em Porto de Galinhas. Eu sou um dia chuvoso e com alguns trovões de vez em quando. Quando vejo as gotas de chuva formarem um espécie de névoa ou quando forma-se uma densa neblina, sinto-me em casa. Pode ser calma, leve, rápida, intempestiva, persistente elas sempre me parecem familiares.

Droga! Parou de chover!

M.U.C.C.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O homem diante das ovelhas

"Observa o rebanho que pasta diante dos teus olhos: ele não sabe o que significa nem o ontem nem o hoje; ele pula, pasta, repousa, digere, pula novamente, e assim da manhã à noite, dia após dia, estritamente ligado a seu prazer e à sua dor, ao impulso do instante, não conhecendo por esta razão nem melancolia nem a tristeza. Este é um espetáculo duro para um homem, este mesmo homem que vê o animal do alto de sua humanidade, mas que inveja por outro lado a felicidade dele - pois este homem só deseja isto: viver como animal, sem tristeza e sem sofrimento; mas ele o deseja em vão, pois não pode desejar isto como o faz o animal." (Nietzsche)


Devo confessar que me identifico com este homem. Tenho mais que uma pontinha de inveja das ovelhas. A memória e toda a estrutura da consciência que dela emana são, quem sabe, o núcleo mais denso de mim mesmo, o mais verossímil elemento de uma suposta essência que me contém.

Pensar o meu tempo dói e pensar temporalmente a mim mesmo também.

Os finíssimos grãos de areia que escorregam rumo ao outro lado da ampulheta parecem atravessar uma estrutura capilar ainda mais fina de minha alma, fartamente conectada à infindáveis terminações nervosas. Nervos que trabalham como formigas para me fazer lembrar, me fazer lembrança.

Sinto o tempo, me sinto nele, me faço tempo. Vivo-me.

O fluxo temporal incessante nutre o homem que habita em mim.

M.U.C.C.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

ego, ergo sum!

cólera no Haiti

os EUA vão mal

o Brasil....não se fala

as bombas do Irã

as colinas de golã

arrastão em Copa

...

Mas, meus dilemas são bem maiores!

M.U.C.C.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Juro que queria muito ser um artista de verdade!

De tudo o que tenho pra dizer, não conheço melhor maneira que a arte! Se houvesse outra forma eu usaria, sinto-me livre e preso a ela!


pela arte foge-se da dura realidade, pela arte encontro-me com meu eu exclusivo. Pela arte sou eu mesmo e fujo de quem não mais quero ser!


queria uma vida onde pudesse viver os sonhos na mesma intensidade da vida real!


ou ainda viver mais os sonhos!


na arte se pode escolher que parte de si se quer ser e que parte não se quer mais!


o artista é um altista que se reconciliou esteticamente com o mundo

M.U.C.C.

descomplicar!

Alguns dias atrás escrevi sobre a dificuldade de ser leve, e continuo me sentindo enredado no mesmo problema.

Por que será que não podemos ser simples e leves?  Por que criamos inúmeros mecanismos que complicam o que seria fácil e rápido?

existem coisas que não são simples, a estas dediquemos nossos esforços no sentido de lidar com suas complexidades.

Mas no que for possível tratar com precisão e simplicidade, prefiro que seja assim.

Só o que é preciso pensar quero pensar.

Quero ser simples e leve!

M.U.C.C.

cultura e natureza

fome e apetite

cru e cozido

sexo e amor

raiva  e rancor

está condenada a cultura a obedecer à natureza e a natureza limitada pela cultura?

M.U.C.C.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A maior de todas as distâncias.

Vazo os olhos edipiante.

Não me absolvo, é minha a culpa.

Melhor é assim pensar, sem terceirizar.

Como foi que aqui cheguei?

Por quais vias me fiz agora?

Quer saber, não respondo essa pergunta.

Não há maior tortuosidade, não há caminho mais sinistro,

não há maior distância, do que o peito e a razão!

M.U.C.C.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Exceção, resenha, crueldade, tudo, diferente....

palavras orbitam minha mente

rodam paranóicas

gravitam sob condições pretéritas

palavras lindas, palavras secas

verdadeiras ou não

relevantes talvez


bombas sonoras, torpedos gráficos

vagueam clandestinas renitentemente

insistem em espasmos nauseabundos


se pretendo me desfazer delas?

lançar fora em retrolavagem?

só se fosse louco, elas são minhas melhores amigas

M.U.C.C.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

kelly key e a crueldade da beleza

Travestida pela banalidade a maldade se potencializa. De tudo o que é ruim, cruel, desumano, sua medida se avoluma a partir do momento que não é mais capaz de nos causar náuseas. Convivemos cotidianamente com atrocidades rasteiras, com mentiras hipócritas, com maus-tratos profundos, que simplesmente carregamos a tiracolo. Vez ou outra nos damos ao direitos de manuseá-los até.

Como artesãos de maldades somos criativos e eficientes, somos capazes de produzi-las a partir das mais diferentes fontes de matérias-primas, sob as mais adversas circunstâncias e nos mais inesperados momentos. Tem coisa ruim pra todo gosto e hora, não falta oferta desse bem tão abundante.

Mas há uma maldade que surpreende para além da média. Pela sutileza e refino no preparo, passa até por coisa boa e bem-vinda, quando se dá conta do engodo normalmente já é tarde. É a maldade que se faz da beleza ou a partir de coisas boas. Lembrei-me da banal Kelly Key e do seu inesquecível, infelizmente, "baba baby, baby baba"! Como há crueldade nesta frase, sinto-me como Tarantino analisando "Like a virgin", valer-se de seus, digamos, talentos para oprimir é um requinte de crueldade para além do ordinário.

Tenho visto pessoas que valem-se de seu reconhecimento como artistas para impor valores e idéias que pareceriam frágeis sem a autoridade de seu reconhecimento. Usam o encantamento causado em seus admiradores para lhes manipular, paradigma do baba baby! Poderia-se afirmar em defesa da senhora Key que agia em legitima defesa, sua crueldade era uma vingança, um acerto de contas. Mas ainda resta o imperativo da generosidade, a melhor forma de vingança não seria não responder na mesma moeda? Só se é livre do opressor quando não lhe devolvemos os maus-tratos.

A beleza é para o bem, o sublime para a liberdade.


M.U.C.C.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

To live and let die!

Tudo que é belo, evidentemente belo, inelutavelmente belo, indiscutivelmente belo, desconcertantemente belo, me paralisa. Fico como que anestesiado, é único. Mas beleza não é coisa que se encontra em qualquer esquina, beleza é a desconstrução de todo o resto. Lembro-me de Michelangelo que dizia que para esculpir o seu Davi bastava retirar da pedra tudo o que não era Davi.

O que fazer diante da beleza? Render-se, percebê-la e desfrutar. Certo desde o princípio, entretanto, que ela rapidamente passará!

M.U.C.C.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

leveza insustentável.

Escrevo na ilusão de ser capaz de sustentar o peso da minha cabeça. Ela pesa horrores. Não costumo usar este espaço para reclamar, mas é real. Não pesa por ser muito cheia, nem por ser dotada de grande quantidade de massa cinzenta, minha cabeça pesa porque é incapaz de ser leve.

Existem pessoas muito leves, são constituídas de uma matéria sensivelmente menos densa. Elas operam em outra frequência, suas cabeças giram em outra rotação. Não sou capaz de conhecer existencialmente essas pessoas para saber se são mais felizes, alegres, satisfeitas ou realizadas, mas parecem.

Quero levitar! Como não tenho conseguido, escrevo.

M.U.C.C.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Aceto Balsâmico!

Nunca gostei de vinagre. O troço me travava toda a boca descendo para a garganta, me lembrava o gosto das anestesias do dentista. Desgosto total era ter que encarar aquela salada nadando no vinagre, comer aquilo era um parto para mim. Um dia, sem perceber exatamente quando, passei a gostar de vinagre. Hoje adoro, ajuda a comer salada, uma redução de aceto balsâmico com um pouco de mel é coisa muito boa. como vinagre com prazer hoje em dia, quase bebo..brincadeira.

Lembrei agora dessa história e fiquei pensando que se me perguntassem a respeito de vinagre alguns minutos antes de mudar meu paladar, diria que não gostava, não suportava, detestava o tal tempero.

Não devemos nutrir verdades absolutas, prontas e acabadas sobre nós mesmos. É um convite a traição, diria à auto-traição. Quem sou eu? pergunta boba! idéia besta! Talvez seja mais plausível tentar responder, quem eu tenho sido ultimamente.

Se gosto de vinagre? tenho gostado sabe.

M.U.C.C.