terça-feira, 28 de junho de 2011

encanto e desencanto

A vida que levamos é dura demais. Se assim não fosse não teríamos que sonhar para dormir, poderíamos passar a noite toda dormindo e revisando os acontecimentos do dia anterior. Mas só dorme quem consegue escapar à vida que levamos de olhos abertos. Já disseram, neste mesmo sentido, que não existe sociedade humana que não possua mecanismos de escapismo, de fuga da realidade. Êxtases, alucinógenos, encantamentos, fantasias são também saudáveis em um certo sentido e em uma certa dosagem. Fugimos das aflições e nos damos ao direito do deleite.
Com o tempo essas escapadas podem se tornar mais sofisticadas e menos perigosas. Dessa sofisticação nasceu a arte, creio. Nem tão séria como um rito xamânico, nem tão despreocupada como um faz-de-conta de criança, a arte nos permite voar tendo a certeza de que os pés permanecem firmes no chão. Não é sonho, mas convence. É como um porre, mas sem ressaca. Tem quem diga que o elemento que nos faz verdadeiramente humanos é a razão, outros dizem ser o trabalho, outros ainda a consciência, mas eu me atrevo a dizer ser a arte. Não digo como quem discorda, mas como quem muda o ângulo.
Existem pessoas que passam a vida sem fazer a menor questão de experimentar arte em níveis significativos. O sujeito ouve música no rádio, na igreja, na festa, mas não se dá conta do acontecimento. Ou assiste um filme como quem faz palavras cruzadas. Para mim essas pessoas estão perdendo um pedaço de si, estão vivendo um aquém-do-homem. Nem todos somos obrigados à devoção do crítico, do esteta, do musicólogo, do dramaturgo, mas creio que todos podemos experimentar a arte profundamente. Não se trata de rigores acadêmicos e crivos canônicos, mas de sensibilidade. Um ser humano não poderia passar em branco diante de uma linda ária, um belo afresco ou um elegante conto. Alguém insensível diante da arte está privado de uma porção relevante da alma humana tanto quanto alguém que não consegue exercer adequadamente suas faculdades lógicas.
O mais lamentável é pensar que isto é sim uma questão de educação. Não de escolarização, mas de educação em um sentido mais amplo. Rubem Alves disse que ninguém gosta de caviar se só lhe for oferecido arroz e feijão, neste mérito lhe dou razão. De tudo o que me frusta sendo professor, o que mais me atinge é ver um aluno absolutamente brutalizado, incapaz de ver beleza no que é evidentemente belo. Penso que mais que guerras, crises e revoluções devo ensiná-los a beleza. Cidadania é também um conceito estético. Os alunos não aprendem o que não percebem sentido, berra uma pedagoga cheia de verdades, eu quase concordo. Mas prefiro pensar que não é uma questão de sentido é uma questão de encanto. Todo saber nasce do espanto já diziam os velhos gregos.
Ando impaciente com a realidade, o Brasil é um caso perdido definitivamente. Rogo para que a Copa não saia, que os estádios desabem, sem ninguém dentro é claro, que falte luz, hotéis e pistas nos aeroportos, nós merecemos. Jornais, telejornais e e-jornais são tarefa dura demais para mim, não posso com eles. Paloccis, Batistis, Mescadantes, Fuxis me venceram pelo cansaço. Fiquem com o Brasil para vocês, brinquem à vontade desse teatro macabro. De tão trágico faz inveja a Sófocles, de tão explícito e sarcástico faz Genet corar. Eu fico na companhia da nuvem de gênios que este planeta já gerou.


M.U.C.C.

4 comentários:

Jana disse...

Marcão compartilhar ideias com você é muito bom. Hoje falei em sala de aula algo sobre a beleza da História, que se eles enxergassem o belo talvez entenderiam todo o resto. Talvez, as paredes tenham me levado mais a sério.

Falta sensibilidade. E por falar nela, semana passada conheci um sonhor que a tem de sobra. Um chileno, Salareón.


http://mosaicosdobrasil.tripod.com/id69.html

Marcão disse...

Putz você conheceu o cara, que maneiro!!!! Eu já fui lá e achei demais!!!! valeu pelo comentário jana!

Carlos Eduardo disse...

Aprendi que devemos usar citações quando são precisas a ponto de dispensar quaisquer paráfrases nossas... Minhas honras ao Marcelo Rocha:

"A necessidade da arte apolínea estaria ligada, justamente, às ameaças proporcionadas à estabilidade deste princípio de individuação pelos terrores da existência, pela condição efêmera da vida, pela fragilidade dos homens, “filhos do acaso e do tormento”: o mundo olímpico, opulento e triunfante, encobertaria, subtrairia esta sabedoria terrível (dita popular, ou de Sileno) com sua bela aparência, com seu poder de ilusão,
tornando a vida – áspera – mais desejável de ser vivida. O mundo olímpico seria um “espelho transfigurador”, e a arte uma complementação, ou um remate da existência, que seduziria a continuar vivendo" (Nietzsche apud Souza,2008)
Mais em: "NIETZSCHE, A GENEALOGIA E A ARTE: Uma leitura de O nascimento da tragédia" http://www.ifcs.ufrj.br/~aisthe/vol%20II/ROCHA.pdf

Pizzutti disse...

Quem vivam bem aqueles que prezam pela sensibilidade e é claro, são sensíveis!
Vivemos num mundo onde, se sensíveis a ele, podemos enchergar o além, com ajuda dos alucinógenos ou não, além do que apenas a visão pode chegar!
Não dizem por aí que o pior cego é aquele que não quer ver? Mas quem tem cegado as crianças dessa geração, essa geração que eu e vocês tem que lidar todos os dias? O problema que há uma reprodução dessa doença pela sociedade inteira, contaminando a tudo e a todos.
Ao menos uma pitada de sensibilidade, please!