Madrugada é nome de doce. Muito melhor que goiabada. A quem a prove com parcimônia, mas são raros. Há nesse doce um tom amargo. Ansiedade vira Angústia. Solitude, solidão. O ressabiado passa a triste. Os sambas viram boleros. E a sede como aumenta.
O amargo vem de nós, que não se culpe a madrugada. É o Romeo para a Julieta, é como o queijo curado pra goiabada. E como é bom uma madrugada com angústias meia-cura. Eles me fazem sofrer tão melhor.
Sem elas o doce enjoa. Só do azedo e do amargo das cascas raladas se faz boa compota. E que mais me rale. E que a casca se faça mais grossa. Para que o doce seja mais sentido. Para que venha a Madrugada.
M.U.C.C.
blog dedicado à publicação despretensiosa e despreocupada de pequenos textos, comentários e pitacos em geral.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
a noite da minha cidade
Quando o sol começa a se esconder as florestas tornam-se especialmente amedrontadoras. Os ruídos dos animais aumentam em frequência, volume e estridência. As cores se misturam. As árvores crescem. O céu fica mais distante. O chão fica incerto. Os caminhos menos evidentes. Sou um homem urbano porque morro de medo das noites nas florestas.
Gosto das placas azuis que dizem os nomes das ruas. Gosto dos postes iluminando as noites da minha cidade. Gosto de ouvir os barulhos de brigas de famílias. Gosto menos das músicas que saem de dentro dos carros. Me lembro da sensação confortadora de ouvir longínquos os motores de ônibus alongando marchas para depois trocá-las. É tão bonita a cor da sala quando só resta a luz do sinaleiro. Ora verde, amarelo e já vermelho. Ou a cor da televisão, muda e sem sinal, a projetar formigas na parede.
Só assim sou forte o suficiente para aceitar que um denso silêncio me oprima a alma e traga o sono. O silêncio também traz sonhos. Por vezes depois do sono e então é tarde para lembrar-me deles na manhã seguinte. Mas muitas vezes os sonhos chegam antes do sono. Desses sonhos sou escravo por dias. Tomam conta de mim por tempo demais. Tomam de mim a maior de todas as riquezas, a normalidade.
Amo a noite de minha cidade. Amo meus sonhos. Amo ainda mais os frustrados, interrompidos, não realizados e não realizáveis. São como motosserras que destroem a mata selvagem que vive dentro de mim. A pior de todas as florestas escuras é aquela da qual nunca me apartei. Só meus sonhos, e o escudo destas linhas desbravam-na. Quero sonhar nesta noite com a urbanização da minha alma.
M.U.C.C.
Gosto das placas azuis que dizem os nomes das ruas. Gosto dos postes iluminando as noites da minha cidade. Gosto de ouvir os barulhos de brigas de famílias. Gosto menos das músicas que saem de dentro dos carros. Me lembro da sensação confortadora de ouvir longínquos os motores de ônibus alongando marchas para depois trocá-las. É tão bonita a cor da sala quando só resta a luz do sinaleiro. Ora verde, amarelo e já vermelho. Ou a cor da televisão, muda e sem sinal, a projetar formigas na parede.
Só assim sou forte o suficiente para aceitar que um denso silêncio me oprima a alma e traga o sono. O silêncio também traz sonhos. Por vezes depois do sono e então é tarde para lembrar-me deles na manhã seguinte. Mas muitas vezes os sonhos chegam antes do sono. Desses sonhos sou escravo por dias. Tomam conta de mim por tempo demais. Tomam de mim a maior de todas as riquezas, a normalidade.
Amo a noite de minha cidade. Amo meus sonhos. Amo ainda mais os frustrados, interrompidos, não realizados e não realizáveis. São como motosserras que destroem a mata selvagem que vive dentro de mim. A pior de todas as florestas escuras é aquela da qual nunca me apartei. Só meus sonhos, e o escudo destas linhas desbravam-na. Quero sonhar nesta noite com a urbanização da minha alma.
M.U.C.C.
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Eu, um guardador de carros, um velho, uma criança e Johann Sebastian Bach.
Existe um homem que guarda carros todas as noites perto da casa onde moro. Hoje quando me aproximava dele vi que tinha companhia. Era um senhor já muito velho sentado na cadeira em que o guardador normalmente está. Nunca tinha visto um velho tão velho chorando daquele jeito. Aquele choro só tinha visto entre adolescentes. Chorava com desespero e vazio, já não tinha forças para falar, quase. O velho queria se matar. Falava do filho, estava confuso, tentava chorar, balançava a cabeça, tornava a chorar. Tentei consolá-lo, eu e o guardador, sentia-me como um canastrão soltando frases que eu mesmo não podia entender e acreditar. Mais calmo se foi, talvez quisesse mesmo desabafar. Fui também.
Cheguei na academia. Halteres subiram e desceram, a esteira correu, meu corpo doeu, suou e cansou. Tive tempo para me fazer perguntas. Não as quero responder como quem responde a um empregador em uma entrevista, quero as perguntas do meu filho. Quero realmente ser capaz de fazer perguntas sem imaginar as respostas. Qual o sentido da vida? Pensei em fazer deste um texto sobre o sentido da vida, seria a minha resposta ao velho, mas não sou capaz nem de ao menos esboçar resposta. Não agora. Deixe-me com a pergunta. Não me venha com frases prontas, peça ao Hamlet para falar mais baixo porque está me atrapalhando. Não responda está pergunta como quem está diante de um quiz.
Não há sentido, disse um amigo de Zaratustra, ignorando que ele era solitário e não tinha amigos. Cada um deve construir a sua ponte sobre o rio da vida, não há sentido e assim devemos construir um sentido próprio para ela. Parece-me porém, que o rio é por demais largo para nossa vã engenharia. Teria Zaratustra se esquecido de anunciar sua própria morte? Ainda que morte lenta e degenerativa está era a morte que o velho anunciava. Era dele e nossa.
Vim me consolar com Bach. Horas antes tinha perdido bom tempo ouvindo-o ao computador. Pude me consolar enternecido pelas cordas de seus cravos, violinos e violas. Não posso me esconder de mim ouvindo Bach. Nunca mais fui o mesmo depois de ouvir a famosa ária número 3. Bach me faz amar a vida. Amar não as fantasias de conquista e sucesso que nos levam a chorar o choro do velho, mas amar estar vivo. Bach me faz pensar que para além de todo relativismo estético há beleza. Há sentido.
Me consolei também no sorriso do meu filho. Cada vez que o vejo sorrir penso como sou incapaz de sorrir como ele. Desejo que ele seja muito feliz enquanto pode. Vira o tempo em que sorrir será quase um esforço. De todas as muitas perguntas que me faz, jamais me perguntou sobre o sentido da vida. Penso que ele só pergunta do que não lhe parece evidente. Quem se faz essas perguntas, sinto informar, já começou a morrer. Talvez por isso é que a eternidade é para os que são como crianças.
M.U.C.C.
Cheguei na academia. Halteres subiram e desceram, a esteira correu, meu corpo doeu, suou e cansou. Tive tempo para me fazer perguntas. Não as quero responder como quem responde a um empregador em uma entrevista, quero as perguntas do meu filho. Quero realmente ser capaz de fazer perguntas sem imaginar as respostas. Qual o sentido da vida? Pensei em fazer deste um texto sobre o sentido da vida, seria a minha resposta ao velho, mas não sou capaz nem de ao menos esboçar resposta. Não agora. Deixe-me com a pergunta. Não me venha com frases prontas, peça ao Hamlet para falar mais baixo porque está me atrapalhando. Não responda está pergunta como quem está diante de um quiz.
Não há sentido, disse um amigo de Zaratustra, ignorando que ele era solitário e não tinha amigos. Cada um deve construir a sua ponte sobre o rio da vida, não há sentido e assim devemos construir um sentido próprio para ela. Parece-me porém, que o rio é por demais largo para nossa vã engenharia. Teria Zaratustra se esquecido de anunciar sua própria morte? Ainda que morte lenta e degenerativa está era a morte que o velho anunciava. Era dele e nossa.
Vim me consolar com Bach. Horas antes tinha perdido bom tempo ouvindo-o ao computador. Pude me consolar enternecido pelas cordas de seus cravos, violinos e violas. Não posso me esconder de mim ouvindo Bach. Nunca mais fui o mesmo depois de ouvir a famosa ária número 3. Bach me faz amar a vida. Amar não as fantasias de conquista e sucesso que nos levam a chorar o choro do velho, mas amar estar vivo. Bach me faz pensar que para além de todo relativismo estético há beleza. Há sentido.
Me consolei também no sorriso do meu filho. Cada vez que o vejo sorrir penso como sou incapaz de sorrir como ele. Desejo que ele seja muito feliz enquanto pode. Vira o tempo em que sorrir será quase um esforço. De todas as muitas perguntas que me faz, jamais me perguntou sobre o sentido da vida. Penso que ele só pergunta do que não lhe parece evidente. Quem se faz essas perguntas, sinto informar, já começou a morrer. Talvez por isso é que a eternidade é para os que são como crianças.
M.U.C.C.
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