quinta-feira, 13 de maio de 2010

Cicatriz e Ruga

Hoje fiquei pensando muito sobre as cicatrizes. Cicatriz é totalmente diferente de ruga.

Ruga é um vinco produzido pela repetição de um gesto, um movimento. A ruga é o sinal da mortalidade, é o desgaste natural de tudo o que se pode desgastar. Rugas são inevitáveis. As rugas são como aqueles barulhos que aparecem nos carros com o passar do tempo, um inhec-inhec de uma mola velha, o grunhido de uma porta desgastada, um chiado esquisito no motor. Me faz lembrar o tic-tac do relógio na barriga do crocodilo que perseguia o capitão gancho. Em uma terra onde ninguém queria envelhecer nenhum inimigo pode ser pior que um relógio, pois nos faz lembrar que estamos perdendo o jogo da vida, estamos jogando xadrez com a morte. A ruga nos faz lembrar que o fim sempre se aproxima cada vez mais. A ruga retira de nós a eternidade.

As cicatrizes são piores. São traumas. A cicatriz não representa o fluxo natural das coisas como as rugas, elas são justamente uma ruptura do que é natural. A cicatriz é uma intervenção dolorida que se fez eternizar em nós. Pode-se argumentar, em defesa das cicatrizes,que ela é a superação de uma ferida. Pode-se pensar, contrariamente, que na verdade a cicatriz é quando a ferida já faz parte do nosso corpo totalmente e definitivamente. Carregar uma cicatriz é ter uma bola de ferro presa aos pés. É ter de se lembrar com frescor de quem já não é mais, é ter de continuar a pagar as dívidas que já não são mais minhas, é ter de satisfazer-se com as memórias.

Cutucando mansamente minhas cicatrizes agora, penso que gosto delas. Não foi paixão a primeira vista é verdade. Foi como apegar-se a um vilão de uma história, como aprender a gostar de vinho seco. Se elas realmente são bolas de ferro presas as minhas pernas, talvez estejam lá para não me deixar andar depressa demais.


M.U.C.C.

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