Seja qual for o conceito da sua predileção, para mim está claro que se quisermos conhecer alguma sociedade que não a nossa temos que nos cercar de seus artistas, de suas histórias, de suas honras e suas tragédias. Temos que passar algum tempo ao lado de Kant, Mann, Goethe e Beethoven para começar a intuir o que é esse lugar chamado Alemanha. Sendo assim, quem quer conhecer nossos hermanos argentinos tem que ver/ouvir muito tango. Sei que a Argentina não é só tango como o Brasil não é só samba, mas aquela maravilha jamais seria obra de outro povo. Deve ler Borges com certeza, mas o tema hoje é tango.
Se você, meu improvável leitor, é daqueles brasileiros que não gosta de argentinos, permita-me a reprimenda: não se deixe levar por esse tipo de sentimento pequeno e tacanho. Escute ao velho Goethe que dizia:
"O ódio nacionalista é sempre o mesmo, tem uma característica única. Você o vai
encontrar tanto mais forte e cego quanto mais baixo for o nível cultural. Mas existe
um nível em que ele desaparece totalmente, onde por assim dizer a pessoa paira de
tal maneira acima das nações, que as dores e alegrias de cada nação sente-se como
se fossem as da gente mesmo. É nesse nível cultural que eu me coloco por índole, e
nele eu me situava bem antes de completar meus 60 anos de idade”
Há outra elegância ainda no tango, o suspense. Nunca se sabe se os dançarinos estão a ponto de lutar ou fazer amor. Também não podemos saber se os bandoneonistas tocam seus instrumentos por amor ou por raiva. Essa medida de mistério é na verdade uma forma argentina de charme. Fica tudo por um fio, ou por una cabeza como canta Gardel. Há uma medida que separa o veneno do remédio, é na fronteira entre as duas coisas que mora o tango e a alma dos argentinos.
M.U.C.C.
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