segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Higienópolis nº2011

Tive a idéia de escrever este texto enquanto passava o fio-dental entre os dentes hoje pela manhã. Não sei você, mas eu sinto a tentação de parar de passar o incômodo fiozinho depois de já ter limpado os dentes da frente. Resisto à tentação, vou até os quase intangíveis molares vizinhos da úvula. Dói por vezes, sobra uns fiapos, mas trata-se de um posicionamento moral.
Vivemos dias em que o que se quer não é estar limpo, mas parecer limpo. Os desodorantes verdadeiramente matam as bactérias que geram o desagradável fedor? Não, produzem um cheiro mais forte que nos impede de sentir o que não se quer. Será que realmente acreditamos nos rótulos dos produtos de higiene pessoal e suas promessas? Ou somos hipócritas ou ingênuos. Tomamos por solução a inibição dos efeitos mais evidentes. Perdoe-me se o assunto parece por demais rasteiro, meu improvável leitor, mas reforço seu caráter moral, diria político também.
Não estamos muito preocupados com os bueiros, os fundos de vale ou o açoriamento dos rios por que são como nossos últimos molares, não aparecem. O que realmente interessa à sociedade é que o espelho d'água do nosso Igapó reflita os prédios ao entardecer, as hortências estejam coloridas e os Ipés tombando flores na  estação. Repito que não sei se por burrice ou hipocrisia mesmo, mas assim o é. Queremos é esconder o caos de fios por detrás da cômoda, disfarçar o calor com ar condicionado, disfarçamos o envelhecer com miríades de produtos e assim ao infinito. Estamos próximos de levar um xeque mate, mas só sabemos pensar que estamos ganhando o jogo da morte, sem querer parecer muito nórdigo.
A cidade parece brincar com ela mesma ao batizar com o nome de Higienópolis a avenida que atravessa toda esta performance maquiadora. A cidade limpa, higiênica nada mais faz do que esconder suas sujeiras. Talvez esse seja o verdadeiro ideal higienista, não ser limpo mas aparentar. Penso que a sujeira, o defeito, a feiura são as últimas fronteiras do privado, só não queremos tornar público o que fede. Tudo mais vai para o twitter, o facebook, o orkut, o msn, necessariamente nesta ordem.
Até quando aguentaremos?

M.U.C.C.

Um comentário:

José Rafael de Lima Teixeira disse...

Isso é uma desculpa para vc não tomar mais banho enquanto a Mel está viajando?
Enquanto isso os poderosos estão passando perfume Francês para esconder suas imoralidades.
Abraço... Ou melhor, acenos de longe... Rsrsrs...