quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

surpresa!

...observar com exatidão o que se cumpre em cada segundo é mais decisivo que saber de antemão o mais distante. Signos precursores, pressentimentos, sinais atravessam dia e noite nosso organismo como batidas de ondas. Interpretá-los e utilizá-los, eis a questão. [...] O dia jaz a cada manhã como uma camisa fresca sobre nossa cama; este tecido incomparavelmente fino, incomparavelmente denso, de limpa profecia, assenta-nos como uma luva. A felicidade das próximas vinte e quatro horas depende de que nós, ao acordar, saibamos como apanhá-lo. [Benjamim, Walter. madame ariadne, segundo pátio à esquerda - Rua de Mão Única]


Mesmo aquele que se esforça diciplinadamente para fazer-se saudável fica doente. Fica-se doente por fatores absolutamente explicáveis, mas pessoas expostas às mesmas condições, às mesmas bactérias podem reagir de modo diametralmente oposto. A surpresa é uma fatura que inadvertidamente entra pelo vão da porta e a Fortuna deusa intempestiva e geniosa. Um dia se está são, no outro já não mais. E uma vez doente jamais se poderá saber com certeza até quando se permanecerá neste estado. Espera-se sempre recobrar a saúde o mais brevemente, mas só quem já ficou doente sabe que no instante em que as forças se esvaem tudo é incerteza.

Tenho um olhar viciosamente voltado para o passado. É quase como um tique-nervoso para mim a reflexão retrospectiva. Irrita-me conquistar clareza sobre episódios que se foram, descobrir alternativa correta depois de já ter sido entregue o gabarito. Penso retrospectivamente. Culpa certamente de minhas muitas certezas, daquilo que me parece firme e sutentável, de muito tempo semeando preconceitos. Sim preconceitos, pré-julgamentos, tendências de uma mente treinada para tentar domar o tempo.

Nem sempre é possível reagir positivamente, as supresas, mesmo as boas, muitas vezes são inelutáveis. Mas há uma pequena fresta por onde se pode existir com razoável liberdade. Quero a astúcia de um repentista que se apraz em reconfigurar suas palavras caleidoscopicamente. Quero o timing dos grandes atletas que se rearranjam constantemente de acordo com os movimentos descritos por uma bola ou um golpe. Quero reconciliar-me como presente.

Diz a tradição, que o general romano Cipião ao desembarcar em território cartagenês, ao perceber-se em desequilíbrio e que a queda seria inevitável, abriu os braços e bradou: teneo te, terra africana! O que certamente teria representado sua ruína fez-se vitória.

Desejo ardentemente ser capaz de perceber o mundo ao meu redor como surpresa!  

M.U.C.C.

2 comentários:

Daniel Vigna disse...

Em meio às surpresas, parece-me que o tempo é desprezível. Não se conta o tempo nelas. Ele em meio às engrenagens do cotidiano é a chave mestre, ao sair daquelas, demonstra-se desprezível. Não sendo mais senhor de nossas ações. Ao ler seu belo texto, veio-me Salvador Dali à cabeça: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://3.bp.blogspot.com/_3s7zVtgL6X0/SwxhwNtkcGI/AAAAAAAAAP0/6vxf_oAtCQI/s1600/salvador%2Bdali.jpg&imgrefurl=http://blogsecretodacatherine.blogspot.com/2009_11_01_archive.html&usg=__Ro1HLAJtY30YsSK9uX6eUeU1mfI=&h=768&w=1024&sz=140&hl=pt-br&start=0&zoom=1&tbnid=abODxN6DEG4lmM:&tbnh=136&tbnw=181&prev=/images%3Fq%3DSalvador%2BDali%26um%3D1%26hl%3Dpt-br%26client%3Dfirefox-a%26sa%3DX%26rls%3Dorg.mozilla:pt-BR:official%26biw%3D1280%26bih%3D636%26tbs%3Disch:1,isz:l&um=1&itbs=1&iact=hc&vpx=129&vpy=148&dur=956&hovh=194&hovw=259&tx=121&ty=88&ei=BAX3TN3EOI72swOts8XhDg&oei=BAX3TN3EOI72swOts8XhDg&esq=1&page=1&ndsp=21&ved=1t:429,r:0,s:0

Valdir Pimenta disse...

Rua de mão unica é certamente um dos mais legais textos do Benjamin. E compartilho destas tuas angústias tbm. abraço...