Rasgue-se os títulos,
descumpra-se os contratos,
que volte a obra pronta a ser rascunho,
que o projeto volte a ser sonho,
que o vivo volte a embrião.
Solte-se dos estribos,
Perca-se pelos caminhos,
que o maduro volte a verdejar,
o universo volte a expandir novas galáxias,
que o sempre seja só por hoje,
professor seja amador.
E que ame.
M.U.C.C.
blog dedicado à publicação despretensiosa e despreocupada de pequenos textos, comentários e pitacos em geral.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
fundamentalismo ateísta
"No desvio de algum rincão do universo inundado pelo fogo de inumeráveis sistemas solares,
houve uma vez um planeta no qual os animais inteligentes inventaram o conhecimento. Este foi o
minuto mais soberbo e mais mentiroso da história universal , mas foi apenas um minuto. Depois
de alguns suspiros da natureza, o planeta congelou-se e os animais inteligentes tiveram de morrer."
SOBRE A VERDADE E A MENTIRA NO SENTIDO EXTRAMORAL Friedrich Nietzsche 1873 Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho
Permitam-me, meus improváveis leitores, cometer o delito de trair o texto acima. Que isto não seja usado contra mim. Faço isso até que por alguma inspiração nietzscheana, mas o texto aqui será certamente usado pelo avesso, espero. Há, percebam, um doce sabor em usar um texto do famoso autor da frase, Deus está morto, para criticar o ateísmo militante dos dias atuais.
A produção de um conhecimento científico sobre o mundo ancorado em princípios como a racionalidade, o empirismo, a criticidade, a radicalidade e tantos outros mostrou-se até agora ser um meio útil e adequado para solução de problemas humanos. Quem pode pensar nos prejuízos trazidos pelos saberes oriundos dos meios acadêmicos deve perceber também as muitas contribuições prestadas pelos diligentes pesquisadores e pensadores do passado e dos nossos dias. A Ciência, como nós a conhecemos, foi um dos maiores legados da civilização cristã européia da era moderna que se consumou a partir do acúmulo de conhecimentos advindos de outros espaços territoriais e religiosos. Este legado compõe uma das mais belas diademas da tradição européia.
Ironicamente ela se transformou em uma instituição poderosa, produtora de "verdades" que passaram a desprezar seus genitores. O ateísmo militante que se vê crescer principalmente na Europa tem na Ciência o principal instrumento de combate da religião. O exército de macacos nús capitaniados pelo senhor Dawkins elegeu o cristianismo como bode expiatório para os problemas da humanidade. Mostram-se incapazes de perceber suas qualidades e belezas. O mundo laico ocidental é ávido em encontrar belezas em todas as culturas, tradições e religiões espalhadas pelo mundo, mas cego para reconhecer as belezas de suas próprias tradições e crenças. Acha-se linda a cultura de povos canibais e critica-se um religião que, ao menos nos discursos iniciais e fundantes, é eminentemente pacifista.
Não percebem o quão flagrante é sua filiação ao cristianismo, até nos seus procedimentos de luta. O que a militância ateísta faz é uma cruzada do bem contra o mal no melhor estilo cristão medieval. Os argumentos, a sede por ações legislativas são dotadas de um fundamentalismo que não nega os genes. Vivemos dias de fundamentalismo e intolerância inclusive nas torres de marfim da academia. Ateistas do mundo inteiro, vistam a carapuça!
As religiões são manifestações universais de humanidade, são saberes, tradições, procedimentos, sentimentos com milhares de anos de lastro. Moldadas pelas dores e tragédias, sucessos e fracassos de muitas e muitas gerações, as religiões trazem à tona os poderes de um homem profundo, plural, geracional, que não se esgota no indivíduo. As religiões trazem a sabedoria e eficácia dos homens ao longo de um muito longa caminhada. Há uma carga poderosa para além do ordinário presente nas religiões e só o desconhecimento do tema pode explicar a insensibilidade dos críticos. Soa ingênuo e estúpido para meus ouvidos essa simplificação conceitual do ateísmo militante, pior é que os faz intolerantes. Há um valor, cristão aliás, muito válido e útil para a tolerância que é a humildade. A ciência deve, por princípio fundante, duvidar, inclusive de si. E a dúvida deve ser uma janela que se abre para um diálogo, mesmo que pelo msn.
M.U.C.C.
houve uma vez um planeta no qual os animais inteligentes inventaram o conhecimento. Este foi o
minuto mais soberbo e mais mentiroso da história universal , mas foi apenas um minuto. Depois
de alguns suspiros da natureza, o planeta congelou-se e os animais inteligentes tiveram de morrer."
SOBRE A VERDADE E A MENTIRA NO SENTIDO EXTRAMORAL Friedrich Nietzsche 1873 Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho
Permitam-me, meus improváveis leitores, cometer o delito de trair o texto acima. Que isto não seja usado contra mim. Faço isso até que por alguma inspiração nietzscheana, mas o texto aqui será certamente usado pelo avesso, espero. Há, percebam, um doce sabor em usar um texto do famoso autor da frase, Deus está morto, para criticar o ateísmo militante dos dias atuais.
A produção de um conhecimento científico sobre o mundo ancorado em princípios como a racionalidade, o empirismo, a criticidade, a radicalidade e tantos outros mostrou-se até agora ser um meio útil e adequado para solução de problemas humanos. Quem pode pensar nos prejuízos trazidos pelos saberes oriundos dos meios acadêmicos deve perceber também as muitas contribuições prestadas pelos diligentes pesquisadores e pensadores do passado e dos nossos dias. A Ciência, como nós a conhecemos, foi um dos maiores legados da civilização cristã européia da era moderna que se consumou a partir do acúmulo de conhecimentos advindos de outros espaços territoriais e religiosos. Este legado compõe uma das mais belas diademas da tradição européia.
Ironicamente ela se transformou em uma instituição poderosa, produtora de "verdades" que passaram a desprezar seus genitores. O ateísmo militante que se vê crescer principalmente na Europa tem na Ciência o principal instrumento de combate da religião. O exército de macacos nús capitaniados pelo senhor Dawkins elegeu o cristianismo como bode expiatório para os problemas da humanidade. Mostram-se incapazes de perceber suas qualidades e belezas. O mundo laico ocidental é ávido em encontrar belezas em todas as culturas, tradições e religiões espalhadas pelo mundo, mas cego para reconhecer as belezas de suas próprias tradições e crenças. Acha-se linda a cultura de povos canibais e critica-se um religião que, ao menos nos discursos iniciais e fundantes, é eminentemente pacifista.
Não percebem o quão flagrante é sua filiação ao cristianismo, até nos seus procedimentos de luta. O que a militância ateísta faz é uma cruzada do bem contra o mal no melhor estilo cristão medieval. Os argumentos, a sede por ações legislativas são dotadas de um fundamentalismo que não nega os genes. Vivemos dias de fundamentalismo e intolerância inclusive nas torres de marfim da academia. Ateistas do mundo inteiro, vistam a carapuça!
As religiões são manifestações universais de humanidade, são saberes, tradições, procedimentos, sentimentos com milhares de anos de lastro. Moldadas pelas dores e tragédias, sucessos e fracassos de muitas e muitas gerações, as religiões trazem à tona os poderes de um homem profundo, plural, geracional, que não se esgota no indivíduo. As religiões trazem a sabedoria e eficácia dos homens ao longo de um muito longa caminhada. Há uma carga poderosa para além do ordinário presente nas religiões e só o desconhecimento do tema pode explicar a insensibilidade dos críticos. Soa ingênuo e estúpido para meus ouvidos essa simplificação conceitual do ateísmo militante, pior é que os faz intolerantes. Há um valor, cristão aliás, muito válido e útil para a tolerância que é a humildade. A ciência deve, por princípio fundante, duvidar, inclusive de si. E a dúvida deve ser uma janela que se abre para um diálogo, mesmo que pelo msn.
M.U.C.C.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Higienópolis nº2011
Tive a idéia de escrever este texto enquanto passava o fio-dental entre os dentes hoje pela manhã. Não sei você, mas eu sinto a tentação de parar de passar o incômodo fiozinho depois de já ter limpado os dentes da frente. Resisto à tentação, vou até os quase intangíveis molares vizinhos da úvula. Dói por vezes, sobra uns fiapos, mas trata-se de um posicionamento moral.
Vivemos dias em que o que se quer não é estar limpo, mas parecer limpo. Os desodorantes verdadeiramente matam as bactérias que geram o desagradável fedor? Não, produzem um cheiro mais forte que nos impede de sentir o que não se quer. Será que realmente acreditamos nos rótulos dos produtos de higiene pessoal e suas promessas? Ou somos hipócritas ou ingênuos. Tomamos por solução a inibição dos efeitos mais evidentes. Perdoe-me se o assunto parece por demais rasteiro, meu improvável leitor, mas reforço seu caráter moral, diria político também.
Não estamos muito preocupados com os bueiros, os fundos de vale ou o açoriamento dos rios por que são como nossos últimos molares, não aparecem. O que realmente interessa à sociedade é que o espelho d'água do nosso Igapó reflita os prédios ao entardecer, as hortências estejam coloridas e os Ipés tombando flores na estação. Repito que não sei se por burrice ou hipocrisia mesmo, mas assim o é. Queremos é esconder o caos de fios por detrás da cômoda, disfarçar o calor com ar condicionado, disfarçamos o envelhecer com miríades de produtos e assim ao infinito. Estamos próximos de levar um xeque mate, mas só sabemos pensar que estamos ganhando o jogo da morte, sem querer parecer muito nórdigo.
A cidade parece brincar com ela mesma ao batizar com o nome de Higienópolis a avenida que atravessa toda esta performance maquiadora. A cidade limpa, higiênica nada mais faz do que esconder suas sujeiras. Talvez esse seja o verdadeiro ideal higienista, não ser limpo mas aparentar. Penso que a sujeira, o defeito, a feiura são as últimas fronteiras do privado, só não queremos tornar público o que fede. Tudo mais vai para o twitter, o facebook, o orkut, o msn, necessariamente nesta ordem.
Até quando aguentaremos?
M.U.C.C.
Vivemos dias em que o que se quer não é estar limpo, mas parecer limpo. Os desodorantes verdadeiramente matam as bactérias que geram o desagradável fedor? Não, produzem um cheiro mais forte que nos impede de sentir o que não se quer. Será que realmente acreditamos nos rótulos dos produtos de higiene pessoal e suas promessas? Ou somos hipócritas ou ingênuos. Tomamos por solução a inibição dos efeitos mais evidentes. Perdoe-me se o assunto parece por demais rasteiro, meu improvável leitor, mas reforço seu caráter moral, diria político também.
Não estamos muito preocupados com os bueiros, os fundos de vale ou o açoriamento dos rios por que são como nossos últimos molares, não aparecem. O que realmente interessa à sociedade é que o espelho d'água do nosso Igapó reflita os prédios ao entardecer, as hortências estejam coloridas e os Ipés tombando flores na estação. Repito que não sei se por burrice ou hipocrisia mesmo, mas assim o é. Queremos é esconder o caos de fios por detrás da cômoda, disfarçar o calor com ar condicionado, disfarçamos o envelhecer com miríades de produtos e assim ao infinito. Estamos próximos de levar um xeque mate, mas só sabemos pensar que estamos ganhando o jogo da morte, sem querer parecer muito nórdigo.
A cidade parece brincar com ela mesma ao batizar com o nome de Higienópolis a avenida que atravessa toda esta performance maquiadora. A cidade limpa, higiênica nada mais faz do que esconder suas sujeiras. Talvez esse seja o verdadeiro ideal higienista, não ser limpo mas aparentar. Penso que a sujeira, o defeito, a feiura são as últimas fronteiras do privado, só não queremos tornar público o que fede. Tudo mais vai para o twitter, o facebook, o orkut, o msn, necessariamente nesta ordem.
Até quando aguentaremos?
M.U.C.C.
domingo, 26 de dezembro de 2010
Memória
Jaz na equidistância entre verdade e mentira,
fato e ficção, prosa e poesia.
Traduz lembrança em saudade,
a carência em falta, vazio em nostalgia.
Não é foto, mapa, texto,
não alto nem baixo relevo,
não é de pano, de barro, nem digital.
Nem fere nem é ferida,
não come nem é comida,
nem sã nem santa.
Memória.
M.U.C.C.
fato e ficção, prosa e poesia.
Traduz lembrança em saudade,
a carência em falta, vazio em nostalgia.
Não é foto, mapa, texto,
não alto nem baixo relevo,
não é de pano, de barro, nem digital.
Nem fere nem é ferida,
não come nem é comida,
nem sã nem santa.
Memória.
M.U.C.C.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Quem disse que Vinícius de Moraes não escreveu sobre o natal?
VINÍCIUS DE MORAES
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.
O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
É difícil falar sobre o natal nestes dias, sinto-me meio fora de contexto. Parece-me claro que o que se está a celebrar nas ruas tem mais relação com o Lula e o chamado "espetáculo do crescimento econômico" do que com Jesus e o Cristianismo. Não é de todo ruim celebrar uma melhora nas condições gerais de consumo da população, mas todo espetáculo é antes de tudo uma farsa. Enquanto todos batemos palmas para nosso progresso econômico, vê-se um desesperador alastrar da miséria espiritual. E aqui a palavra espiritual pode ser entendida como você quiser. Se pensamos em espiritualidade religiosa, o caso é crítico. Essas relações espirituais andam promíscuas e interesseiras. Compra-se e vende-se muito nas igrejas também. Os pastores, padres e a multidão de voluntários parecem fazer treinamento de vendas nas mesmas agências dos vendedores das casas bahia ou similares. As pessoas fazem cartinhas para o "papai do céu" uma vez que ficaram grandes para mandar para o "papai noel". O Natal dos Shoppings não é muito pior do que o de muitos estabelecimentos religiosos.
Se pensarmos em espírito no sentido alemão do termo (o campo das subjetividades, do existencial, das idéias) não me parece ser muito melhor a situação. A pobreza intelectual graça por todo lado. Uma das coisas que mais me anima em ter esse blog é justamente por ver que outras pessoas, por vezes mais jovens do que eu, também se interessam por subjetividades, sentimentos, filosofia, literatura e um compartilhar gostoso de idéias. Gosto de ver outras pessoas escrevendo, melhorando seus textos, refinando suas referências, criando blogs, tumblrs, e afins. Se existe algo carente de cuidado nos dias de hoje são nossas vidas interiores, nossos canteiros de subjetividades. Gente cultivando músculos e incapazes de formar raciocínios minimamente lógicos e coerentes não falta. Mas aqui e pelas redes sociais à fora encontro sempre uma pequena corriola de seres pensantes e interessantes. Mas somos exceção, não duvide. Vivemos sim um tempo de pobres cuidados com as idéias.
Por isso o natal é um período difícil para mim, o absurdo de nossa condição parece mais evidente. Mas não podemos deixar que maltratem tanto uma passagem tão cara ao nosso mundo cristão. O Ocidente está violentando a si mesmo quando abandona suas tradições mais fundamentais. O Natal como celebração do Amor Generoso, do gesto exemplar divino, vivido e repetido ciclicamente por nós é sim uma data relevante. Se nossa sociedade rejeitar os princípios basais que a formaram ela estará se impludindo. Não é só uma questão civilizatória, o Natal em que se dá presentes ao invés de receber é também uma experiência fundamental no campo individual. Nunca ouvi falar que perdão, misericórdia e amor tenha feito mal a alguém.
Desarme-se dos preconceitos, o Natal é bonito sim!
M.U.C.C.
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
O encontro
The Encounter - Escher
Encontro em preto e branco.
Saudam-se.
Dançam.
Cirandeiam dentro em mim.
Já nem mais preto nem branco.
Tudo cinza-se.
Tudo roda em uma velocidade boa.
Velocidade de sair do chão lentamente.
Vivo deste encontrar,
sou deste encontro.
Me encontro nesta roda.
Que rode!
M.U.C.C.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
O Sonho Acabou!
Sonhei. Da mais dedicada e devota maneira. Sonhava convincentemente, como sempre. Durante aquele compasso de tempo eu seria capaz de chamar aquele universo de realidade, eu existia ali durante o sonho. Só agora passado o porre de morfeu, percebo que a música que ouvia não era a única manifestação apta a ser classificada como música. Sim, havia, com quase certeza, uma música que tocava em quanto eu existia em sonho. Era o que se chama normalmente de sertanejo universitário, confesso.
Só pode ser isso. Lembro das frases emitidas por uma "sanfona" renitente, lembro-me da bateria tresloucada que sonhava, ela também, ser bateria de rock'n roll. Esqueço-me da letra, ...com certeza era sertanejo universitário. O que mais me apavora é que o complexo sonoro que nomino como sertanejo de caráter universitário, e as universidades brasileiras merecem a referência, era proveniente não da minha mente, mas deste mundo aqui, de fora do sonho. Algum vizinho devia estar a degustar auditivamente esse "quitute" musical.
Mas em minha perspectiva momentânea, aquela era uma música que eu deveria aceitar, deveria absorver seu pulso e argumento. Os sonhos são autoritários. Nos sonhos não podemos escolher para onde vamos, do que gostamos, do que amamos ou desejamos ardentemente. O sonho, venha de onde vier, não confia em nossa consciência. Em sonhos gosta-se, ama-se, deseja-se sem a menor possibilidade de crítica. Quero crer que neste mundo fora-do-sonho as coisas sejam diferentes, quero crer que sou, mesmo que debilmente, o senhor de mim, que define o bom e o ruim, o aceitável e o evitável. Que estratégia neural repugnante essa de meus sonhos. Captada a informação musical, ela que vem do fora-do-sonho e poderia me alertar da minha condição de sonhante, foi transformada, ela também, em sonho pela sagaciadade da inconsciência.
Para minha alegria atual restam duas informações. Foi a própria estridência do som dos jovens sertanejos que, passado muito tempo, me despertou do sonho. Se chamei o sonho de porre logo acima, poderia dizer que aquela música foi como banho gelado e café amargo, me fez recobrar a consciência presente. Ao acordar com a música venci a estratégia do sonho de me tornar indiferente ao externo. A segunda informação obtive através do espelho após acordar. Vi um lado de minha face tomado de sulcos e um rubor que provavelmente foram causados pela intolerância do meu travesseiro. É um dado concreto que me faz piamente crer no fora-do-sonho. Minha face no espelho é prova de que o corte narrativo que sofri à pouco, marcou a passagem de um mundo idílico para o mundo em que estou agora.
Confiando nesta visão do espelho e agarrado à ela escrevo essas parcas linhas.
M.U.C.C.
Só pode ser isso. Lembro das frases emitidas por uma "sanfona" renitente, lembro-me da bateria tresloucada que sonhava, ela também, ser bateria de rock'n roll. Esqueço-me da letra, ...com certeza era sertanejo universitário. O que mais me apavora é que o complexo sonoro que nomino como sertanejo de caráter universitário, e as universidades brasileiras merecem a referência, era proveniente não da minha mente, mas deste mundo aqui, de fora do sonho. Algum vizinho devia estar a degustar auditivamente esse "quitute" musical.
Mas em minha perspectiva momentânea, aquela era uma música que eu deveria aceitar, deveria absorver seu pulso e argumento. Os sonhos são autoritários. Nos sonhos não podemos escolher para onde vamos, do que gostamos, do que amamos ou desejamos ardentemente. O sonho, venha de onde vier, não confia em nossa consciência. Em sonhos gosta-se, ama-se, deseja-se sem a menor possibilidade de crítica. Quero crer que neste mundo fora-do-sonho as coisas sejam diferentes, quero crer que sou, mesmo que debilmente, o senhor de mim, que define o bom e o ruim, o aceitável e o evitável. Que estratégia neural repugnante essa de meus sonhos. Captada a informação musical, ela que vem do fora-do-sonho e poderia me alertar da minha condição de sonhante, foi transformada, ela também, em sonho pela sagaciadade da inconsciência.
Para minha alegria atual restam duas informações. Foi a própria estridência do som dos jovens sertanejos que, passado muito tempo, me despertou do sonho. Se chamei o sonho de porre logo acima, poderia dizer que aquela música foi como banho gelado e café amargo, me fez recobrar a consciência presente. Ao acordar com a música venci a estratégia do sonho de me tornar indiferente ao externo. A segunda informação obtive através do espelho após acordar. Vi um lado de minha face tomado de sulcos e um rubor que provavelmente foram causados pela intolerância do meu travesseiro. É um dado concreto que me faz piamente crer no fora-do-sonho. Minha face no espelho é prova de que o corte narrativo que sofri à pouco, marcou a passagem de um mundo idílico para o mundo em que estou agora.
Confiando nesta visão do espelho e agarrado à ela escrevo essas parcas linhas.
M.U.C.C.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Um presente!
Preciso escrever algo. Rápido. O mundo não espera, nada espera. Preciso rapidamente correr os dedos por este teclado já tão meu, tão eu, tão mim. Vejo as coisas mudando tanto, as surpresas, sempre elas, nos pegam primeiro do que poderíamos antever. Não consigo ver o mundo de outro modo.
Hoje saí para comprar um óculos novo e voltei com uma camisa. Num botequim conheci um velho bêbado que foi pianista de Nelson Gonçalves e estudou com Leminsky, e não era mentira! O nosso entorno nos muda, é inevitável. As coisas são sempre outras, sempre novas, sempre frescas. E Nenhuma idéia me parece tão absurda como as que querem prever, antecipar ou predeterminar. Eu me nego. O mundo é fresco e imprevisível. Isso é desesperador se pensarmos que não há certeza alguma diante de nossos olhos, por outro lado, a porta aberta da esperança é giratória rodopia e sempre se abre. Há sempre chance de mudar, de ser diferente, de ser outro. Fernando Pessoa dizia lindamente: nada é, tudo outra.
Lembro-me de Jorge Luis Borges que dizia, claramente se remetendo ao velho Heráclito:
Mirar el río de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostos pasan como el agua.
M.U.C.C.
Hoje saí para comprar um óculos novo e voltei com uma camisa. Num botequim conheci um velho bêbado que foi pianista de Nelson Gonçalves e estudou com Leminsky, e não era mentira! O nosso entorno nos muda, é inevitável. As coisas são sempre outras, sempre novas, sempre frescas. E Nenhuma idéia me parece tão absurda como as que querem prever, antecipar ou predeterminar. Eu me nego. O mundo é fresco e imprevisível. Isso é desesperador se pensarmos que não há certeza alguma diante de nossos olhos, por outro lado, a porta aberta da esperança é giratória rodopia e sempre se abre. Há sempre chance de mudar, de ser diferente, de ser outro. Fernando Pessoa dizia lindamente: nada é, tudo outra.
Lembro-me de Jorge Luis Borges que dizia, claramente se remetendo ao velho Heráclito:
Mirar el río de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostos pasan como el agua.
M.U.C.C.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
surpresa!
...observar com exatidão o que se cumpre em cada segundo é mais decisivo que saber de antemão o mais distante. Signos precursores, pressentimentos, sinais atravessam dia e noite nosso organismo como batidas de ondas. Interpretá-los e utilizá-los, eis a questão. [...] O dia jaz a cada manhã como uma camisa fresca sobre nossa cama; este tecido incomparavelmente fino, incomparavelmente denso, de limpa profecia, assenta-nos como uma luva. A felicidade das próximas vinte e quatro horas depende de que nós, ao acordar, saibamos como apanhá-lo. [Benjamim, Walter. madame ariadne, segundo pátio à esquerda - Rua de Mão Única]
Mesmo aquele que se esforça diciplinadamente para fazer-se saudável fica doente. Fica-se doente por fatores absolutamente explicáveis, mas pessoas expostas às mesmas condições, às mesmas bactérias podem reagir de modo diametralmente oposto. A surpresa é uma fatura que inadvertidamente entra pelo vão da porta e a Fortuna deusa intempestiva e geniosa. Um dia se está são, no outro já não mais. E uma vez doente jamais se poderá saber com certeza até quando se permanecerá neste estado. Espera-se sempre recobrar a saúde o mais brevemente, mas só quem já ficou doente sabe que no instante em que as forças se esvaem tudo é incerteza.
Tenho um olhar viciosamente voltado para o passado. É quase como um tique-nervoso para mim a reflexão retrospectiva. Irrita-me conquistar clareza sobre episódios que se foram, descobrir alternativa correta depois de já ter sido entregue o gabarito. Penso retrospectivamente. Culpa certamente de minhas muitas certezas, daquilo que me parece firme e sutentável, de muito tempo semeando preconceitos. Sim preconceitos, pré-julgamentos, tendências de uma mente treinada para tentar domar o tempo.
Nem sempre é possível reagir positivamente, as supresas, mesmo as boas, muitas vezes são inelutáveis. Mas há uma pequena fresta por onde se pode existir com razoável liberdade. Quero a astúcia de um repentista que se apraz em reconfigurar suas palavras caleidoscopicamente. Quero o timing dos grandes atletas que se rearranjam constantemente de acordo com os movimentos descritos por uma bola ou um golpe. Quero reconciliar-me como presente.
Diz a tradição, que o general romano Cipião ao desembarcar em território cartagenês, ao perceber-se em desequilíbrio e que a queda seria inevitável, abriu os braços e bradou: teneo te, terra africana! O que certamente teria representado sua ruína fez-se vitória.
Desejo ardentemente ser capaz de perceber o mundo ao meu redor como surpresa!
M.U.C.C.
Mesmo aquele que se esforça diciplinadamente para fazer-se saudável fica doente. Fica-se doente por fatores absolutamente explicáveis, mas pessoas expostas às mesmas condições, às mesmas bactérias podem reagir de modo diametralmente oposto. A surpresa é uma fatura que inadvertidamente entra pelo vão da porta e a Fortuna deusa intempestiva e geniosa. Um dia se está são, no outro já não mais. E uma vez doente jamais se poderá saber com certeza até quando se permanecerá neste estado. Espera-se sempre recobrar a saúde o mais brevemente, mas só quem já ficou doente sabe que no instante em que as forças se esvaem tudo é incerteza.
Tenho um olhar viciosamente voltado para o passado. É quase como um tique-nervoso para mim a reflexão retrospectiva. Irrita-me conquistar clareza sobre episódios que se foram, descobrir alternativa correta depois de já ter sido entregue o gabarito. Penso retrospectivamente. Culpa certamente de minhas muitas certezas, daquilo que me parece firme e sutentável, de muito tempo semeando preconceitos. Sim preconceitos, pré-julgamentos, tendências de uma mente treinada para tentar domar o tempo.
Nem sempre é possível reagir positivamente, as supresas, mesmo as boas, muitas vezes são inelutáveis. Mas há uma pequena fresta por onde se pode existir com razoável liberdade. Quero a astúcia de um repentista que se apraz em reconfigurar suas palavras caleidoscopicamente. Quero o timing dos grandes atletas que se rearranjam constantemente de acordo com os movimentos descritos por uma bola ou um golpe. Quero reconciliar-me como presente.
Diz a tradição, que o general romano Cipião ao desembarcar em território cartagenês, ao perceber-se em desequilíbrio e que a queda seria inevitável, abriu os braços e bradou: teneo te, terra africana! O que certamente teria representado sua ruína fez-se vitória.
Desejo ardentemente ser capaz de perceber o mundo ao meu redor como surpresa!
M.U.C.C.
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