Um homem saiu apressado de uma clínica de saúde. Motoboy. O capacete nas mãos, cor de laranja. Poeira sobre tudo. Rosto vermelho de sol ou de cachaça. Surrado dos pés à ponta da alma. Não me viu, não via nada. Acionou a motocicleta com agilidade. Trocou ríspidas palavras com alguém. O sinal abriu. Passei eu, ele depois.
Antes disso eu vinha em reunião com minha gerente do banco, meu patrão, filósofos e escritores do passado, possibilidades do futuro, próximos meses e suas nebulosidades, meus filhos davam pitacos e também o rádio. A organização mundial da saúde queria me convencer sobre o que comer, um batalhão de nutricionistas e outros "doutores" balançavam a cabeça alegremente em concordância, fiquei com medo de um vírus qualquer, pensei em passar na farmácia. Vinhamos todos aflitos, inutilmente é claro. Até encontrar o estafeta no cruzamento.
As cidades que construímos para dentro e para fora de nós nos brutaliza. Nos vandaliza. Saqueamos e pilhamos nossas próprias almas, cuspimos em nossas próprias faces cotidianamente. Por favor senhores, não vamos culpar as máquinas, o modo de produção, a divisão social do trabalho. Não vamos jogar a fatura no débito automático do coletivo, porque o coletivo não existe. Existo eu, existe você. O coletivo não fala, não anda, não mata, não trai, não se droga, o coletivo, senhores, não existe.
Meu filho quis tomar banho comigo. Era o calor. Enquanto sentado esfrega-lhe as costas, ele segurou meu rosto sorriu para mim e me deu um abraço. Chorei discretamente.
Pensei em não ter a face daquele motoboy.
M.U.C.C.
blog dedicado à publicação despretensiosa e despreocupada de pequenos textos, comentários e pitacos em geral.
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
sexta-feira, 29 de junho de 2012
Avalanche
Eram belas as amanhãs daquele inverno, como costumam ser as manhãs desta estação. Um enorme mar azul-quase-caribe tornara-se céu sem nuvens ou sol. Branca como porcelana fina com textura de papel de arroz a neve fazia as vezes de praia, vindo morrer nela o infindo mar daquele céu mudo e plácido. As montanhas replicaram este mesmo cenário por léguas de perder da vista. Não sei bem porque foi que a primeira lâmina de neve se desacomodou acumulando-se sobre uma próxima. Ainda faltava-lhe os terríveis ruídos, os tremores, o volume, o peso. Faltava-lhe tempo de perseguir seu destino, faltava-lhe história, mas já nascera avalanche. Já pedia passagem, já tinha um caminho. Mesmo a manhã parecendo serena e repleta do sempre igual, havia dentro dela um cataclismo.
De finíssimas lâminas de neve fez-se aquilo que de tão grande já nem cabe adjetivar, de pequenas repetições cotidianas, de pequenas frases soltas, de pequenos diálogos inconclusos. De pequenas coisas que aparentam insignificância revela-se o significado. Este já habitava, ainda que imperceptivelmente, aquela primeira centelha de quase nada. Quem poderá apontar seu início, quem poderá prever seu instante de irreversibilidade? Quem poderia sem incorrer em mentira assumir-se como criador? Para qual finalidade existem? Certo é que destroem. E que são incontroláveis, irreversíveis. Certo é que do mesmo modo incerto como se dá seu nascimento, tão incerto também é seu momento de parar.
E de quantas avalanches se constrói uma existência?
M.U.C.C.
De finíssimas lâminas de neve fez-se aquilo que de tão grande já nem cabe adjetivar, de pequenas repetições cotidianas, de pequenas frases soltas, de pequenos diálogos inconclusos. De pequenas coisas que aparentam insignificância revela-se o significado. Este já habitava, ainda que imperceptivelmente, aquela primeira centelha de quase nada. Quem poderá apontar seu início, quem poderá prever seu instante de irreversibilidade? Quem poderia sem incorrer em mentira assumir-se como criador? Para qual finalidade existem? Certo é que destroem. E que são incontroláveis, irreversíveis. Certo é que do mesmo modo incerto como se dá seu nascimento, tão incerto também é seu momento de parar.
E de quantas avalanches se constrói uma existência?
M.U.C.C.
sábado, 19 de maio de 2012
Eternal mile of loneliness
Deitei ao meu lado, podia ouvir minha respiração. Nada absolutamente mais a me esperar. Totalmente livre, totalmente só. Meu corpo solto sobre as águas, à merce das correntezas, esvai-se em insignificâncias oceânicas infinitésimo. Troco dias e horas em câmbio flutuante, assumo riscos incalculáveis nos derivativos do meu destino, avultam juros de sub-primes de uma alma em moratória. Zunem carros indiferentes, invejo seus destinos. Do meu tirei as rodas e cancelei o reboque. Nada além das vozes de minha mente. Deixo que as pálpebras se beijem demoradamente, largo por breves períodos as rédeas da consciência até recobrar os sentidos e perceber que o encilhado sou eu. Digo-me torto, confesso-me estranho, revolvo os despojos de minhas batalhas interiores. Não haverá reforma da casa sem que os cômodos apresentem suas funcionalidades. E da alma que convulsiona caleidoscópica, que faz emergir o plural e o diverso, que traz a antítese e seu antídoto, encontro companhia para a próxima milha.
M.U.C.C.
M.U.C.C.
segunda-feira, 30 de abril de 2012
Uma estranha forma de felicidade.
Muitas músicas me fazem chorar, mas cada uma por uma razão. Tem música caipira, daquelas que não mais existem, que me constrangem com sua sinceridade, com verdades que parecem eternas, elas carregam tanto tempo, tanta gente, me tocam nos genes. Me lembro de chorar algumas vezes no Ouro Verde ouvindo a orquestra nos apresentar universos musicas que só podia retribuir com lágrimas. Hoje choramos pelo Ouro Verde, mas isso é outro papo. Não costumo chorar com canções por lembrar de pessoas ou eventos, se assim fosse não estaria chorando por causa da música, mas a música simplesmente estaria me recordando um alheio motivo de chorar.
Esse tipo de choro que nasce de um encontro genuíno com a música é melhor que a risada. Não é só a música que o produz, os filmes também, os livros e, claro, as pessoas. Acho que era Molière dizia que as melhores comédias deixam sempre uma lágrima presa no canto do olho. Os filmes que mais me fizeram bem foram sempre os que me fizeram chorar. Normalmente gosto dos que são tristes e placidamente trágicos. Poderia fazer uma lista agora, mas o tema não é esse. Este é um texto em homenagem ao choro. Mas não ao choro da vergonha ou do desespero, desses que nos deixam nus, o choro aqui é o que mora na fronteira da tristeza e da alegria. É um choro por-do-sol. Nem mais dia e nem ainda noite.
E não se trata só de chorar diante da beleza, da plasticidade, não é só o choro êxtase, catarse, que merece aqui menção e homenagem. Há o choro que advém da consciência, diria ainda mais de autoconsciência. Uma espécie de choro-insight, estalo da intuição, esse eu adoro especialmente. Só quando você começa a se dar ao direito de chorar é que parece admitir uma condição crônica de impotência e isso é bom e saudável. E quase sempre é só o que resta fazer. E chorar não é um não-fazer, chorar não é fazer nada,do tipo: "você só vai ficar ai chorando?" Esse choro consciente é em si uma grande atitude. Pior é permanecer indiferente, ignorante e insensibilizado.
Desconfio muito das pessoas aparentemente muito alegres. Algumas são verdadeiramente muito alegres, esses eu admiro e me inspiro. Mas existem os que são alegres por medo de chorar. Desculpe, mas essa alegria eu não quero. Não quero o sorriso do clawn que chora depois que tira a maquiagem. Quero a estranha felicidade que mora no tranquilo leito das lágrimas.
M.U.C.C.
Esse tipo de choro que nasce de um encontro genuíno com a música é melhor que a risada. Não é só a música que o produz, os filmes também, os livros e, claro, as pessoas. Acho que era Molière dizia que as melhores comédias deixam sempre uma lágrima presa no canto do olho. Os filmes que mais me fizeram bem foram sempre os que me fizeram chorar. Normalmente gosto dos que são tristes e placidamente trágicos. Poderia fazer uma lista agora, mas o tema não é esse. Este é um texto em homenagem ao choro. Mas não ao choro da vergonha ou do desespero, desses que nos deixam nus, o choro aqui é o que mora na fronteira da tristeza e da alegria. É um choro por-do-sol. Nem mais dia e nem ainda noite.
E não se trata só de chorar diante da beleza, da plasticidade, não é só o choro êxtase, catarse, que merece aqui menção e homenagem. Há o choro que advém da consciência, diria ainda mais de autoconsciência. Uma espécie de choro-insight, estalo da intuição, esse eu adoro especialmente. Só quando você começa a se dar ao direito de chorar é que parece admitir uma condição crônica de impotência e isso é bom e saudável. E quase sempre é só o que resta fazer. E chorar não é um não-fazer, chorar não é fazer nada,do tipo: "você só vai ficar ai chorando?" Esse choro consciente é em si uma grande atitude. Pior é permanecer indiferente, ignorante e insensibilizado.
Desconfio muito das pessoas aparentemente muito alegres. Algumas são verdadeiramente muito alegres, esses eu admiro e me inspiro. Mas existem os que são alegres por medo de chorar. Desculpe, mas essa alegria eu não quero. Não quero o sorriso do clawn que chora depois que tira a maquiagem. Quero a estranha felicidade que mora no tranquilo leito das lágrimas.
M.U.C.C.
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Último Navio de Beijing
Choravam e sorriam sem exatamente uma ordem certa. Agoniavam-se especialmente com o grave apitar do navio. Era o último a deixar Beijing. Só neste dia não correu o bicho, nem fla no maraca, não houve manchete, não valeram as horas. Só neste rosnar incessante, não houve primeiro e último, nem ordem, nem meio. Nada houve, tudo em haver. E também zuniam bombas e morteiros, como se fossem gotas d'água, espoucando em festa o nascer de uma nova era. De guerra e horror, mas nova. Seus ouvidos calaram diante de tamanho horror sonoro. E depois veio o silêncio do mar. Navio rasgando o frio e a noite. Todos calaram em um silêncio das vísceras, da morte longa, da desesperança. Alguns chegaram a pensar que aquele navio jamais deveria encontrar porto, jamais deveria acabar a viagem. Pensavam que a partir dali suas vidas seriam só viagem. Só Errança levavam. Depois de bombardeados todos os portos de origem não se pode avistar destino facilmente. E exilados de si, fizeram suas moradas na memória.
M.U.C.C.
M.U.C.C.
sábado, 14 de abril de 2012
Crayons
Dê ao menino um pequeno punhado de crayons e ele te dará um universo. O mundo é vasto demais, vaza o tempo todo de nossas mãos, escapa ao olhar. É preciso calma e persistência. Como um surfista espera a onda certa e é capaz de passar horas olhando para o mar, horas olhando o sempre-mesmo mar, até que veja a onda certa e se empenhe para alcançá-la, assim devo esperar pelos meus crayons. O que é preciso para escrever uma crônica? Para compor uma canção? Crayons.
M.U.C.C.
M.U.C.C.
segunda-feira, 2 de abril de 2012
Angústia de quem vive
Olhos detidos por alguns instantes, do tamanho de todas as eras, em frente a uma pessoa já não mais viva. Estou parado ali até agora. Ali morrem todas as perguntas. Ali ficam todas as coisas. Nada passa daquele caixão. É vida e depois é morte. Não estou fazendo considerações metafísicas, pós-metáficas, ontológicas ou existenciais, estou dizendo o que me disseram meus olhos. Ninguém precisou me dizer que estou vivo, ninguém precisou dizer mais nada. Não quero ser Descartes, só quero continuar.
Um querido senhor um pouco antes de morrer pediu para ver o sol, o levaram, ele olhou por alguns segundos, agradeceu, o levaram para o leito, horas depois morreu. Meu avô já muito adoentado encontrava algum alento cantando e acho que cantarolando e batucando enfrentou o fim. Não sei medo, não sem sorver o hálito frio e acre da morte, mas cantou. Amarraram El Cid Campeador ao seu cavalo e a sua armadura quando já estava morto e sua imagem, mesmo morta, venceu a batalha.
Quero uma vida com um sentido que atravessasse a morte como o Campeador. Mas o espelho anda implacável. Não sei o que mais. A morte me emudece. Queria ter mais a dizer às pessoas nessas horas. Mas não tenho o que dizer nem a mim mesmo. É vida e depois é morte. Não quero que minha morte chegue logo, mas quero saber até lá se vou querer ver o Sol, ou batucar uma canção, ou se vou pedir para me amarrarem no meu cavalo.
M.U.C.C.
Um querido senhor um pouco antes de morrer pediu para ver o sol, o levaram, ele olhou por alguns segundos, agradeceu, o levaram para o leito, horas depois morreu. Meu avô já muito adoentado encontrava algum alento cantando e acho que cantarolando e batucando enfrentou o fim. Não sei medo, não sem sorver o hálito frio e acre da morte, mas cantou. Amarraram El Cid Campeador ao seu cavalo e a sua armadura quando já estava morto e sua imagem, mesmo morta, venceu a batalha.
Quero uma vida com um sentido que atravessasse a morte como o Campeador. Mas o espelho anda implacável. Não sei o que mais. A morte me emudece. Queria ter mais a dizer às pessoas nessas horas. Mas não tenho o que dizer nem a mim mesmo. É vida e depois é morte. Não quero que minha morte chegue logo, mas quero saber até lá se vou querer ver o Sol, ou batucar uma canção, ou se vou pedir para me amarrarem no meu cavalo.
M.U.C.C.
sexta-feira, 30 de março de 2012
Allegro, Ma non troppo
Qual é a música que toca dentro de você? Sabe aquela música que nasce depois de passar muito tempo cantarolando, depois que a melodia que você ouviu no rádio já desapareceu, que o jingle da TV foi se embora? Não sei você, mas eu tenho que me controlar para não passar horas cantando no chuveiro. Músicas que não tem necessariamente um início e um fim, elas vão e vem na cadência da atividade cerebral. Essas músicas que nascem em mim nunca foram valsas.
Houve um tempo em que eu quis que minha vida fosse uma valsa. Eu queria soar como um Danúbio Azul. Tudo ordenado, claramente encadeado, queria poder ter o conforto de intuir os crescentes e os decaimentos da música. Achava que vida boa é aquele em que se sabe, com alguns compassos de antecedência, que a orquestra se unirá em um grande rompante musical, ou que já se pode perceber claramente o ralentar da música que precede o fim. Mas não adiantou, eu não soul valsa. Eu não soo valsa.
Sempre gostei muito de música. Gosto de lembrar das minhas tardes sozinho em minhas muitas casas ouvindo os discos dos meus pais. Gostava de ouvir os álbuns inteiros, mesmo que algumas músicas fossem chatas, mesmo que não estivesse gostando eu ouvia, não me dava ao direito de pular faixas injustificadamente. Passei muitas tardes ouvindo discos e olhando pro nada, suando de calor em dias quentes ou levemente arrepiado com o frio daquelas longas tardes de chuva das chácaras em que vivi.
Até que um dia tive vontade de tocar violão. Aprendo até agora. É como começar a falar. Você sente-se capaz de provocar som nos outros. De tudo o que gosto de fazer na vida, sempre depois de fazer toco violão. Eu adoro falar pelo meu violão. Mesmo e quase sempre pra que ninguém escute. É melhor falar pros outros, mas tudo bem falar sozinho. Depois vieram as guitarras, cheguei a dormir abraçado com uma em um Natal. Ela era vermelha.
Aos poucos fui tomando coragem e rasguei as partituras das valsas. Não soavam eu. A minha música é de outra ordem, nada contra valsa, mas não deu para entrar no seu bailado. Custou mas sei que minha canção interior é sempre cheia de surpresas, instrumentos pregam peças o tempo inteiro. As formas rítmicas tem sempre um desencaixe, um swing, uma descontinuidade e, devo confessar, eu gosto. Acho até que sou Allegro, ma non troppo.
M.U.C.C.
Houve um tempo em que eu quis que minha vida fosse uma valsa. Eu queria soar como um Danúbio Azul. Tudo ordenado, claramente encadeado, queria poder ter o conforto de intuir os crescentes e os decaimentos da música. Achava que vida boa é aquele em que se sabe, com alguns compassos de antecedência, que a orquestra se unirá em um grande rompante musical, ou que já se pode perceber claramente o ralentar da música que precede o fim. Mas não adiantou, eu não soul valsa. Eu não soo valsa.
Sempre gostei muito de música. Gosto de lembrar das minhas tardes sozinho em minhas muitas casas ouvindo os discos dos meus pais. Gostava de ouvir os álbuns inteiros, mesmo que algumas músicas fossem chatas, mesmo que não estivesse gostando eu ouvia, não me dava ao direito de pular faixas injustificadamente. Passei muitas tardes ouvindo discos e olhando pro nada, suando de calor em dias quentes ou levemente arrepiado com o frio daquelas longas tardes de chuva das chácaras em que vivi.
Até que um dia tive vontade de tocar violão. Aprendo até agora. É como começar a falar. Você sente-se capaz de provocar som nos outros. De tudo o que gosto de fazer na vida, sempre depois de fazer toco violão. Eu adoro falar pelo meu violão. Mesmo e quase sempre pra que ninguém escute. É melhor falar pros outros, mas tudo bem falar sozinho. Depois vieram as guitarras, cheguei a dormir abraçado com uma em um Natal. Ela era vermelha.
Aos poucos fui tomando coragem e rasguei as partituras das valsas. Não soavam eu. A minha música é de outra ordem, nada contra valsa, mas não deu para entrar no seu bailado. Custou mas sei que minha canção interior é sempre cheia de surpresas, instrumentos pregam peças o tempo inteiro. As formas rítmicas tem sempre um desencaixe, um swing, uma descontinuidade e, devo confessar, eu gosto. Acho até que sou Allegro, ma non troppo.
M.U.C.C.
terça-feira, 20 de março de 2012
Vampiros, orquídeas e um tênis surrado.
As orquídeas são tão belas quanto as catedrais góticas da Europa. Talvez mais. Se dedicar a elas é no entanto mais barato, podendo até não custar nada já que podem ser encontradas na natureza. Jogar betes na rua de casa pode ser mais divertido que um passeio na disneylândia. Os grandes chefs da culinária mundial queimam pestanas para cozinhar como nossas avós. Capucinos, chococinos, moccas, expressos (longo?) (curto?)...umm..tem no coador de pano? Sabe, com caneca esmaltada descascando? Garçom, viu...meu primo piatto será arroz e feijão e vê se dá pra passar um bife numa panela de ferro bem quente!? não, não, mas nada, não....vou ficar só nisso mesmo.
Algo parece querer se desprender de nós na medida que os anos passam e a vida fica mais séria. Entre o homem que saca de um cartão magnético para abrir a garagem do escritório e o rapaz de tênis surrado que subia ladeiras sem se dar conta do cansaço algo se perdeu. Algo da essência das coisas, da densidade da vida. Aquilo que pode mudar a vida de alguém, aquilo que pode fazer chorar, que pode fazer valer todo o mais, pode ser menos do que se espera. Os melhores livros provavelmente estão nos sebos.
Quando pequeno sonhava constantemente com um vampiro que morava em um castelo de cartas. Ele era amarelo, bem vestido e faziam flexões de braço enquanto dava ordens. Aterrorizava toda a cidade, meus avós e eu mesmo. Cresci e parei de sonhar. Hoje sei que a cidade aterrorizada sou eu, meus avós sou eu e eu, pasmem, também sou eu. O Vampiro é uma mascara debaixo da qual já passaram vários rostos, o meu também. Um dos rostos escondidos é o do medo de ser pequeno. O temor de ser pouco, de não estar a altura das expectativas, minhas principalmente.
Para este vampiro quero hoje dizer, vamos tomar um cafezinho com bolo de fubá?
M.U.C.C.
Algo parece querer se desprender de nós na medida que os anos passam e a vida fica mais séria. Entre o homem que saca de um cartão magnético para abrir a garagem do escritório e o rapaz de tênis surrado que subia ladeiras sem se dar conta do cansaço algo se perdeu. Algo da essência das coisas, da densidade da vida. Aquilo que pode mudar a vida de alguém, aquilo que pode fazer chorar, que pode fazer valer todo o mais, pode ser menos do que se espera. Os melhores livros provavelmente estão nos sebos.
Quando pequeno sonhava constantemente com um vampiro que morava em um castelo de cartas. Ele era amarelo, bem vestido e faziam flexões de braço enquanto dava ordens. Aterrorizava toda a cidade, meus avós e eu mesmo. Cresci e parei de sonhar. Hoje sei que a cidade aterrorizada sou eu, meus avós sou eu e eu, pasmem, também sou eu. O Vampiro é uma mascara debaixo da qual já passaram vários rostos, o meu também. Um dos rostos escondidos é o do medo de ser pequeno. O temor de ser pouco, de não estar a altura das expectativas, minhas principalmente.
Para este vampiro quero hoje dizer, vamos tomar um cafezinho com bolo de fubá?
M.U.C.C.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
No oráculo de Delfos
Meu filho me chacoalha pela gola de minha camiseta, escrevo ao computador, ele insiste.
"Pai, olha pra mim"! "Olha aqui, pai"!
E assim vai reformulando a sentença ora invertendo sua ordem, ora mudando a intonação, ora as palavras, ao infinito.
Me rendo, deixo o que faço e volto os olhos para o menino.
"Quem é você"? Pergunta.
Silêncio.
Suspiro.
Desisto.
Ele venceu o argumento...
M.U.C.C.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Saudades
A saudade está cada vez mais rica. Não para de arrematar propriedades nos leilões dos nossos tempos. Por esses dias, tornou-se senhora de um belo teatro londrinense. O negócio todo foi feito em sigilo de tal modo que quando nos demos conta a transação estava concluída. A imprensa não noticiou, mas a compra do teatro selou uma série de investimentos já feitos pela saudade na região. Depois de comprar as calçadas de petit pave, o bosque, fachadas de lojas, bancas e quiosques, a investidora passou a ter sonhos mais ambiciosos. E promete não parar por ai, há quem diga que seu próximo desejo é a cabela de outro calçadão da cidade.
Há quem diga que o grande mal do mundo seja uma tal rua da parede, querem ocupá-la. Eu penso que o terrível gênio desse século seja a saudade, sua ganância devoradora é quase sem limites. A velocidade de sua ação precisa de freio, talvez pudéssemos pensar em uma intervenção estatal contra ela. Sugiro que se crie uma lei especial anti-truste da saudade. Ela não atua só no setor imobiliário aliás, esta é apenas sua face mais visível. Seu império é também feito de canções, lembranças e sentimentos. Fontes seguras dizem ser essas as bases de seu reinado.
Para vos ser sincero devo confessar que a condição de penúria em que minha existência se encontra me faz recorrer ao seu penhor constantemente. Boa parte de minhas lembranças já estão no prego, deixei com a saudade por não ter mais crédito na praça que me permitisse recorrer a outros financistas. Para onde foi a igreja de minha infância? E o clube? E o recreio? As ruas de minhas lembranças já tem todas várias placas de vende-se e a saudade parece ser o único investidor interessado. Os metros quadrados mais caros de minhas memórias já pertencem ao império da saudade.
M.U.C.C.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
antes da orquestra começar existe um instante de silêncio.
minhas palavras secaram. estão no fim de um corredor que não tenho forças de atravessar. dizer o quê? não quero palavras. já as utilizei demais. não quero falar. não quero. tenho mais o que fazer. Há um mundo inteiro por reconstruir, há um caos reinante para destronar. Falar pra quê? Já falei. que nasça duas mãos no lugar da minha boca. Ser feito, fato e não mais fala. pra quê palavras o que quero mesmo é o barulho do grunhido que nasce e jorra. AKVEBSORCACDKFRCVLFBSLDVAOACNRSKREA!!!!!!!!!
M.U.C.C.
M.U.C.C.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Fome Zero?
Quero escrever, mas não se pode escrever com fome.
Devo fazê-lo, contudo não é prudente falar da comida.
Posso escrever sobre a fome, mas não sobre ela.
E de qual fome falar?
Jornais não se obrigam nem mais ao verossímil,
os sábios tudo sabem e nada dizem
Os loucos fazem o oposto.
E de qual fome falar?
Um cachorro apanha na tela.
Uma pequena morre calada.
Todos só sabem ter um Grande Amigo.
E de qual fome falar?
Boeiros pulam, prédios caem e formam-se rios em Janeiro.
As águas de março já faz muito passam mais cedo.
Há onde não chova também.
E de qual fome falar?
Ainda existem escolas?
Ouvi falar em faculdades.
Mas os poetas, pai de todos os artistas, já morreram certamente.
Desgostosos de certo.
E de qual fome falar?
Sei de nada?
Sei de mim?
Sei que sei?
O que é que é o saber?
Não sei se sabem, mas não sabem mais a resposta.
Ah, sim! Sei. Tenho Fome!
M.U.C.C.
Devo fazê-lo, contudo não é prudente falar da comida.
Posso escrever sobre a fome, mas não sobre ela.
E de qual fome falar?
Jornais não se obrigam nem mais ao verossímil,
os sábios tudo sabem e nada dizem
Os loucos fazem o oposto.
E de qual fome falar?
Um cachorro apanha na tela.
Uma pequena morre calada.
Todos só sabem ter um Grande Amigo.
E de qual fome falar?
Boeiros pulam, prédios caem e formam-se rios em Janeiro.
As águas de março já faz muito passam mais cedo.
Há onde não chova também.
E de qual fome falar?
Ainda existem escolas?
Ouvi falar em faculdades.
Mas os poetas, pai de todos os artistas, já morreram certamente.
Desgostosos de certo.
E de qual fome falar?
Sei de nada?
Sei de mim?
Sei que sei?
O que é que é o saber?
Não sei se sabem, mas não sabem mais a resposta.
Ah, sim! Sei. Tenho Fome!
M.U.C.C.
domingo, 15 de janeiro de 2012
Assiduidade
Poucas sempre, mas intensas as visitas da Ternura. Vem sempre sem avisar, diz que não gosta de incomodar. São sempre muito rápidas também. Tem um outro compromisso, diz, mas duvido. Não ficou nem pro cafezinho, antes que a água fervesse já juntou suas coisas, deu uma rápida olhadela no espelho, afagou levemente o cabelo, desculpou-se culpando verdadeiramente o tempo e foi.
Conversamos pouco é claro, mas o tema central da visita trazia nos olhos. As conversas dos olhos acontecem muito mais rapidamente. Foram eles que disseram que já não lhe restam muitos a quem visitar. Confunde-na com a Sr. Pieguisse de quem tem medo os elegantes, ou com a Dona Fraqueza a quem todos temem. A grande turba de gentes entretanto não a confundem, antes fosse pois já não a reconhecem.
Eu mesmo envergonhei-me com a notícia. De tantos fundos de poço, de tantas paredes de labirinto, de tantas escamas e tantos calos me deixei esquecê-la. Não disse isso a ela, talvez os olhos o tenham feito. Quem conhece ternura não deveria tolerar outra companhia, não devia abrir as portas de sua casa a qualquer outro visitante.
Logo veio e foi embora, restou-me dizer já pela porta que aprecio suas visitas, que não incomoda e que nada exijo a não ser assiduidade.
M.U.C.C.
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