terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O balé de Aronofsky

Estava ainda na faculdade quando um inquieto colega trouxe-me um dvd em uma pequena caixinha em que unicamente se encontrava a letra grega pi ( não pude encontrar o símbolo aqui neste péssimo editor de texto) escrita à mão. Disse-me ser um ótimo filme, fez força para que eu levasse, parecia como alguém que quer fazer um prosélito. Levei. Deixei sobre minha sempre caótica escrivaninha, pela inércia a tendência era a de nunca tê-lo tirado de lá. Mas bem dito o dia em que sei lá por que assisti aquele filme. Foi incômodo, devo der dormido, rebobinei, assisti de novo. Que experiência louca, quanta eloquência, gostei do filme. Parecia me trazer novidades.
Falaram-me de Requiem para um sonho, acho que foi o Valdir ou Daniel, gostei ainda mais. Que montagem brilhante, o enredo era  tão bom quanto o de Pi, talvez menos nebuloso. Percebi desde então que o nome de Darren Aronofsky deveria ser procurado pelas prateleiras das locadoras de filmes. Anos depois o encontrei novamente em A fonte da Vida (the fontain), seu grande fracasso até hoje. Atores famosos, um filme carríssimo e uma história que não teve o menor pudor de mergulhar nas angústias existenciais mais universais. Foi o filme que mais gostei, me emocionei muito e acho que não mereceu o fracasso. Ou talvez o fracasso tenha sido sua melhor crítica. Veio o lutador no ano passado, muito diferente por ser um filme realista, sem o expressionismo tão característico de seus filmes até então. O filme é ótimo também, permanece a grande capacidade de Aronofsky levar seus atores para além de seus limites. Mike Rourke brilha.
Ontem assisti o tão comentado Cisne Negro. O primeiro filme de Aronofsky que pude assistir no cinema, gostaria de saber como teria sido assistir os demais. O filme me parece reunir suas qualidades, porém sendo usadas com maior parcimônia. Prefiro o exagero, mas entendo o recato. A música de Tchaicovsky deveria estar concorrendo ao oscar de melhor atriz rivalizando com a senhorita Portman, sem dúvida é o personagem principal da trama. Foi usada e potencializada em suas nuances mais dramáticas, os trechos mais leves aparecem em relance. O filme, aliás, não se deixa levar por lirismo em momento algum, o cisne negro é o que interessa e não o branco. Aronofsky nos tortura sadicamente por quase todo o filme, somos nós como as bailarinas levados à exaustão. É isso o que gosto em Aronofsky, não a tortura, mas o fato de que não mima o espectador, não nos traz nada à boca temos que chegar por nós mesmos ao fim do filme.





Gostei sobretudo de sua leitura sobre o Balé. O grande vilão da História, diga-se de passagem, e que sai definitivamente vencedor. De todas as formas de arte sempre achei a dança a mais violenta, a que mais se deixou levar pelo desvairado sonho de perfeição. Não há idéia mais destrutiva que a perfeição, acho que isso todos já aprenderam, espero. O corpo é o alvo da disciplina no balé, diferente de um escritor que doma suas palavras, de um cantor que põe arreio em seus ruídos, ou de um ator que doutrina seus sentimentos e comportamentos, o bailarinho quer chegar ao monte olimpo com seus tendões e músculos. Como um peão de rodeio que é o homem e o touro ao mesmo tempo. Nathalie Portman soube generosamente encarnar este estereótipo. Está esquálida, infantil, quase feia. Sofremos com seus dedos, unhas, e muitas outras coisas por mais de uma hora. A menina que vira cisne é, penso, uma ótima metáfora da bailarina que vai contra sua própria humanidade.
A dança é uma espécie de martírio. Não a estou condenando, cada um deve saber como chegar a transcendência. O filme não é lindo, mas é ótimo justamente por isso. Aronofsky fez balé com o cinema ou fez cinema com o balé.

M.U.C.C.

3 comentários:

Jessica Kindlein disse...

Ao assistir o filme meu envolvimento com o transcorrer da história me deixou com um embrulho no estômago do início ao fim. Você soube traduzir exatamente o que se sente e também as qualidades dessa perturbação que o filme imprime. Parabéns!

Marcão disse...

obrigado jéssica! feliz por vê-la por aqui! felicidades!

Mari Iastrenski disse...

Eh... é como eu sempre ouço dizer (e também digo e sinto na pele.. hehe)... "Toda bailarina é masoquista." aushaush - e realmente, me senti envolvida pelo filme... várias vezes, me senti como se fosse EU quem estava vivendo aquilo.. OO'