As gavetas parecem sempre mais fundas. Temos sempre muito mais para guardar do que elas suportam receber. Nelas estou guardado. Cada pedaço de papel, bilhete, recibo, boleto, cópia, fotocópia é a fracassada tentativa de não me deixar pelo caminho. Passo os dias todos do ano me catalogando por essas gavetas, sempre penso que vou precisar voltar àquelas velhas idéias, aos projetos que não se cumpriram, àquela matéria da Folha, àquele fascículo da revista. E não volto, prossigo a vida. Quando volto, não encontro. Se encontro, não é como lembrava. Mesmo assim, voltar a essas gavetas faz viver a esperança de que em algum momento luminoso, em algum sorriso do destino haverei de achar a peça perdida do meu quebra-cabeça. Quem sabe um recado do passado, escrito a próprio punho me há de botar nos eixos, dar corda em meu relógio de parede. Abro um livro velho e releio anotações, terei sido genial? Estará aqui guardado algo de valor? Agora meu caderno de anotações, haverá de ter algo que brilhe. Um verso insinuante? Um parágrafo de criatividade? Retiro um papelete do fundo de uma pasta, agora vai! Alarme falso, era apenas uma ata de reunião.
Guardo atas de reunião. Talvez agora que me desfiz de várias, engordando o cesto do banheiro, percebo que são ainda úteis. Quase as peguei de volta. Só através desses amarrotados pedaços de papel percebo a inutilidade de boa parte de meus atos e atribuições. Me aborreci, me entristeci, me desgastei, fiquei inquieto, ancioso em nome de pouca coisa. O que de melhor fiz nesses últimos anos não cabe em minhas gavetas. O que de melhor li, ouvi, senti, aprendi não cabe em lugar nenhum além de em minha cabeça. Minhas prateleiras continuarão cheias, meus hardwares também, para que outro eu venha e as possua se quiser!
M.U.C.C.
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