domingo, 2 de janeiro de 2011

A síndrome do tromba-tromba.

Há entre nós um estranho gosto pelo choque. As crianças vibram ao entrar naqueles quadrados metálicos, colocar em movimento aquelas gambiarras automobilisticas para ficar trombando e rindo fartamente. Os homens adultos gostam de boxe, ou de vale-tudo, ou ainda daqueles espetáculos de carros que se destroem mutuamente. As senhoras vibram ao ver duas mulheres literalmente arrancando seus cabelos nas novelas. Isso para não falar no elegantérrimo teste de DNA regularmente promovido no programa do Ratinho. Os conflitos são inevitáveis. As famílias, especialmente, são como um tromba-tromba, por mais que você tente evitar os choques acontecem, talvez gerando menos risadas e diversão. Mas o motivo deste texto não é esta inexorabilidade dos conflitos, mas o gosto pelo conflito, a opção deliberada pela discórdia.
Vendo ontem o Lula discursando em frente a sua casa em São Bernardo me ocorreu isso. Absolutamente consagrado, um governo de aprovação internacional, nos braços do povo, ele fez um discurso de conflito. Parecia ainda estar em frente a uma fábrica exigindo reposições salariais. Os malditos yankees, os malditos yuppies, a elite, todos os ricos contra seu heroismo, seu verdadeiro patriotismo, seu apego ao povo e aos sofredores. Poderia ter olhado por cima, poderia ter voado mais alto, falado de valores universais, princípios inegociáveis, conquistas maravilhosas, poderia ter feito uma metáfora espalhafatosa, falado do centenário do Curintcha, mas não. Ele no fundo gosta da briga, com um casal de velhos parece ter prazer em expor os defeitos um do outro frente as visitas, só para dar corda no motor.
Não muito tempo atrás eu dava aulas a um pequeno grupo de jovens pobres em situação de risco, ficava admirado em perceber como eles gostavam de provocar o conflito pelo conflito. Paz era sinônimo de tédio para eles. Fui percebendo que a violência e o conflito tinha se apoderado em primeiro lugar de suas linguagens e suas relações. Eram indiferentes ao carinho, o cuidado e afeto, até suas relações amorosas eram violentas e conflitivas. Os conflitos de Lula existem primeiramente em sua linguagem também. Ele não foi melhor para os pobres do que foi para a elite, o Lula deixou muitos tubarões mais gordos e satisfeitos. Mas a linguagem da violência se apodera de seu raciocínio, de suas narrativas e assim por diante. Muitos casais são assim também, parece haver uma opção deliberada por resolver as coisas gritando e brigando.
Nesses casos a violência tornou-se uma questão estética. Seja a estética do machão, do sindicalista ou do candidato a chefe da boca-de-fumo, as pessoas desejam ser os napoleões triunfantes de suas vidas. Acordo, concórdia, negociações bilaterais, diplomacia não satisfaz nestes casos, querem afirmar seu poder a todo custo. Talvez pior que viver em um tromba-tromba seja viver naquelas motos que giram em torno de si, a monotonia seria insuportável. Mas eu prefiro acreditar que é possível haver um convívio construtivo entre os diferentes.

M.U.C.C.

Um comentário:

Daniel Vinha disse...

Sua melhor análise e seu melhor texto.