terça-feira, 1 de março de 2011

Meus headfones

Escondo-me do mundo atrás dos headfones. Pois são meus ouvidos que me prendem ao mundo, os olhos não. Nem o cheiro, nem o gosto, nem o tato. Meus ouvidos mandam em mim. Leio e escrevo com eles. Os indianos dizem, se não me engano, que o mundo nasceu de um som, faz sentido sem dúvida. No Gênese lê-se: "e Disse Deus"...um som novamente. A vida é uma espécie de experiência acústica neste sentido, não me admiraria se algum físico chegasse a conclusão que os elétrons dançam ao invés de girar. Ou ainda que os planetas valseiam em um grande salão cósmico ao invés de cumprir órbitas elípticas matematicamente determinadas. Acho que foi isso que Kubrick quis dizer com o Danúbio Azul, porque não. As crianças quando nascem bradam, manifestam-se emitindo estridentes ondas sonoras neste universal rito de passagem.

Os meus headfones são como escudos, quando quero me esconder os visto rapidamente.  As buzinas, os camelôs, os anunciantes das lojas são sempre tão tão abusados, não pedem licença para usar meus tímpanos. Sonho com uma cidade em que os ônibus terão som de contra-baixos e as vans cellos, os carros serão as violas e as motos os violinos. Os motoboys serão spallas de uma orquestra domada pela civilidade dos sons. Um dia alguém quem sabe provará que uma paixão ou um amor é uma espécie de acorde, ondas sonoras vibrando em harmonia. Mostrarão que nossas glândulas, hoje tidas como as patroas da alma, são regidas em microtons e dissonâncias. O câncer quem sabe seja um desafino trágico na execução de uma peça curta.

Bom mesmo é quando a vida não precisa de headfones, quando não é preciso recorrer à artificialidades, quando o som real é mesmo o que se quer ouvir. Me parece que conhecer realmente alguém é conhecer suas vozes. Ninguém tem uma única voz, temos várias. Algumas são muito secretas, talvez algumas só nós mesmos conheçamos. De repente de dentro de uma mulher forte e determinada pode se ouvir o som de uma menininha franzina. Isso é uma experiência de conhecimento. Ver um homem já barbado se deixar desarticular e desfazer-se em uma voz pequena e insegura. |Todos estranhamos o som de nossas vozes quando a ouvimos gravada, não é ela que ouvimos ou é mas sem maquiagens. Você já reparou como as crianças ficam amigas umas das outras rapidamente é porque ainda não inventaram muitas vozes e assim se dão a conhecer mais rapidamente. Se é mesmo verdade que começamos mesmo pelo som, o que será do silêncio? De certa forma acredito que a saudade é uma forma de silêncio.

M.U.C.C.

Nenhum comentário: